O Supremo Tribunal Federal (STF) deu partida a um movimento que tende a desaguar em reajustes salariais de todo o funcionalismo federal. Por unanimidade, a Corte propôs ao Congresso um aumento de 18% na remuneração de pessoal de todo o Judiciário Federal. É quase impossível deter essa marcha.
O próximo presidente deverá curvar-se a essa realidade. Os servidores estão com salários congelados desde 2019, representando uma perda real considerável derivada de uma inflação de 25% no período. Os do Judiciário estariam sem reajuste desde 2017.
Não importa se o STF agiu sem considerar a difícil situação das contas públicas da União. O fato a ter em conta é que o benefício certamente será estendido a todos os funcionários da União. A medida terá repercussão também nos estados, pois o valor dos salários dos seus juízes e procuradores estão atrelados aos dos membros do STF.
A Constituição de 1988 criou uma regra esdrúxula, provavelmente sem paralelo no mundo, pela qual o Poder Judiciário poderia propor salários diretamente ao Congresso. O usual é sua inclusão na proposta orçamentária anual do Poder Executivo, o que permite levar em conta a situação fiscal e a coerência entre os níveis de remuneração das distintas carreiras do setor público. Os privilégios salariais do Judiciário e do Ministério Público derivam em grande parte dessa particularidade, enquanto durou.
No governo FHC a regra foi alterada. Por emenda constitucional, o STF manteve a prerrogativa de enviar seu orçamento diretamente ao Congresso e não ao Executivo, mas o presidente da República passou a deter o poder de vetar a proposta, caso aprovada.
Tudo indica que a proposta do STF será acolhida, pois nosso Parlamento jamais incorporou a cultura de responsabilidade fiscal presente no Congresso americano, por exemplo. Poucos parlamentares admitem contrariar propostas de juízes. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro dificilmente vetará o respectivo projeto de lei. E, se vetar, é altamente provável que o veto caia sob pressão irresistível de juízes de todo o país.
A cada ponto percentual de aumento salarial de servidores, a folha da União se eleva em 3 bilhões de reais. Mesmo que escalonada entre abril de 2023 e julho de 2024, a proposta agregará mais de 40 bilhões de reais aos gastos de pessoal em 2023. A Lei de Diretrizes Orçamentárias recentemente aprovada prevê apenas R$ 11 bilhões para a finalidade.
A proposta do STF pode ser o último prego no caixão do teto de gastos. A margem de gastos discricionários para 2023 é estimada entre 108 bilhões e 120 bilhões de reais. A manutenção do valor do benefício de 600 reais do Auxílio Brasil consumirá 60 bilhões de reais. Como há outras despesas com potencial de inclusão no Orçamento de 2023, o teto vai morrer de vez. A âncora fiscal também. O desafio monumental do novo governo é restabelecer de forma crível uma regra fiscal para recriar a âncora fiscal. Não será fácil.