Fechamento do governo americano: lições para o Brasil
O Brasil poderia adotar a regra, o que implicaria abandonar a ideia de que o Orçamento é autorizativo e revogar a estabilidade dos servidores públicos
O governo americano não pode efetuar despesas sem prévia aprovação, pelo Congresso, dos gastos e das respectivas dotações orçamentárias. A regra, derivada da divisão de poderes da Constituição de 1787, atribui ao Legislativo a aprovação do orçamento.
Acontece que algumas áreas, particularmente a militar, começaram a assumir obrigações sem provisão orçamentária, forçando o Congresso a aprovar dotações para financiá-las. A prática burlava o mandamento constitucional e as atribuições do Legislativo.
Tais abusos foram eliminados em 1884 por lei que proibiu o Executivo de realizar gastos discricionários (os que controla) sem prévia autorização legislativa. A lei, alterada várias vezes, a última das quais em 1982, excetua as atividades estratégicas ou obrigatórias – como defesa, operação dos aeroportos e pagamento de pensões e aposentadorias – que estão permanentemente autorizadas.
Por isso, esgotado o prazo para aprovação do Orçamento ou de dotações provisórias, o governo é obrigado a paralisar atividades que impliquem compromisso contratual de pagamento, salvo as exceções da lei. Fecham-se repartições públicas, parques, museus e qualquer atividade que represente gasto discricionário.
Os funcionários não podem trabalhar, pois isso criaria a obrigação de pagar os respectivos salários. Isso só é possível porque os servidores americanos não têm estabilidade no emprego. Podem ser demitidos ou não receber remuneração quando não estão em serviço.
Essa norma orçamentária foi consagrada a partir do século XVIII, primeiramente nos Estados Unidos, como mencionado, depois com a Revolução Francesa e daí em vários outros países. Infelizmente, ainda não chegou por aqui.
No Brasil, o desprezo pelas instituições orçamentárias começa no próprio Legislativo, que todos os anos reestima a receita deliberadamente para cima, de modo a permitir o aumento da despesa pela incorporação de um número maior de emendas parlamentares.
Aqui se adota, além disso, uma prática sem correspondência histórica nem na própria Constituição. Diz-se que o Orçamento é autorizativo, isto é, o governo cumpre apenas o que lhe der na telha, salvo despesas obrigatórias como como pessoal, previdência, educação e saúde.
Mais de dois séculos depois, já seria hora de o Brasil incorporar modernas regras orçamentária em seus costumes. Isso aumentaria a previsibilidade e a eficiência da economia. A Constituição já estabelece que o Congresso “fixa” a despesa e “estima” a receita. Ou seja, o Orçamento é uma lei na qual se discriminam os gastos. A ideia de que é autorizativo decorre de uma interpretação tipicamente cabocla.
Dificilmente isso vai acontecer, pois os próprios parlamentares aceitam essa estranha interpretação. Não custa, todavia, bater nessa tecla, até que um dia se revogue a estabilidade dos serviços públicos e se leve o Orçamento a sério.