Uma nova funcionária está puxando a cadeira para se sentar ao lado do médico e de seu paciente na sala de consulta. Chega treinada para contribuir com diagnósticos mais precisos, aprimorando a assertividade dos tratamentos e garantindo ao especialista mais segurança e disponibilidade. A recém-chegada responde por Medicina 3.0. Ela tem por base a Inteligência Artificial (IA), usada para análises de big data, e entende a saúde como dinâmica e multidimensional, abrangendo bem-estar e prevenção de doenças.
Na cardiologia, o papel da Medicina 3.0 se mostra cada vez mais fundamental apesar de um preconceito inicial e ainda vigente, tanto por parte de leigos como entre profissionais da área. Para essas pessoas, a IA irá robotizar atendimentos, substituindo médicos por máquinas. Mas essa hipótese vai se revelando infundada.
Trabalhos científicos provam que já estamos colhendo os frutos das tecnologias, que executam as tarefas técnicas, deixando mais tempo para o médico se dedicar ao paciente.
As patologias do coração são as que mais matam no país, com cerca de 400 mil óbitos por ano, e não faltam evidências sobre a contribuição efetiva da IA na antecipação de episódios cardiovasculares.
Para citar um factual, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) empregaram machine learning – uma subdivisão de IA que utiliza algoritmos – para prever riscos a longo prazo de uma pessoa que já sofreu síndrome coronariana aguda ter recidivas. O trabalho conseguiu otimizar a identificação de indivíduos com probabilidades superiores de adoecer novamente.
A taxa de recorrência de um novo evento cardiovascular em um período de 12 meses após o primeiro é 26%. Até então, o que tínhamos eram escores de risco tradicionais, que melhoravam a definição da estratégia terapêutica inicial na síndrome coronariana aguda, porém não foram concebidos para apurar problemas individuais a longo prazo.
Com o emprego dos algoritmos, é possível alcançar 90% de acerto sobre outra ocorrência cardiovascular relevante naquele paciente. A predição contribui para orientar médicos e pacientes e minimizar a possibilidade de que essa tendência se concretize.
Capacidade preditiva em dobro
Mais um exemplo da parceria da Medicina 3.0 com a cardiologia advém de um estudo divulgado no final do ano passado e que, da mesma forma, presta um serviço para aqueles com propensão a infarto, acidente vascular cerebral (AVC) ou morte súbita, inclusive para quem não tem
histórico de doença cardiovascular.
Também desenvolvida por pesquisadores da Unicamp, a tecnologia lança mão da convencional ultrassonografia das carótidas – artérias que levam o sangue do coração ao cérebro e ficam na região do pescoço – aliada à inteligência artificial. O uso de IA possibilita detectar alterações na camada “íntima” da carótida, que é a mais interna. O programa identifica, delimita e permite analisar essas camadas separadamente do músculo. O método anterior era capaz de identificar o problema em 10 a 20% dos casos. Com o emprego da técnica, o índice de acerto chega a 40%.
São argumentos irrefutáveis provando que a Medicina 3.0 veio para agregar. Ao dar respostas mais precisas aos médicos, ela auxilia na melhor proposta de tratamento tanto preventivo como pós-diagnóstico fechado, ampliando as chances de afastar os piores desfechos causados por doenças cardiovasculares. Assim, habilita uma economia substancial ao sistema de saúde, reduzindo emergências, necessidade de cirurgia e uso de Unidade de Terapia Intensiva, evitando custos econômicos e, sobretudo, humanos.
Por essas e outras, só podemos dar boas-vindas à nova integrante da equipe, usufruindo de seu empenho para uma prática médica cada vez mais humana.
* Andrei Sposito é cardiologista, pesquisador e diretor da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp)