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Como um exame de sangue que detecta o câncer vai mudar nossa vida

Um exame de sangue que consegue detectar o câncer em estágio inicial está mais perto de se tornar realidade e reduzir a mortalidade da doença

Por Bernardo Garicochea
Atualizado em 31 ago 2017, 11h52 - Publicado em 30 ago 2017, 15h48

Todo ano, 14 milhões de pessoas são diagnosticadas com câncer no mundo. E este número tende a aumentar proporcionalmente com o crescimento da expectativa de vida. Infelizmente, a maioria destes novos diagnósticos se refere a tumores que já são invasivos, ou seja, formas mais avançadas de câncer, e que provavelmente vão exigir combinação de tratamentos cirúrgicos, radioterápicos e a temida quimioterapia.

Não resta a menor dúvida que a medicina já mostrou o quanto progrediu no tratamento do câncer nas últimas décadas. A taxa de cura, mesmo de tumores muito avançados, melhorou significativamente. Nos casos em que a cura ainda é uma meta inatingível, o tempo de sobrevida dos pacientes aumentou de forma importante, com ganho de qualidade de vida.

Em certos tipos de câncer que seriam fatais em pouco tempo, os avanços médicos permitiram que a doença fique estabilizada em um patamar confortável para o paciente por um período indeterminado. E compramos tempo para que novas medicações sejam descoberta e que estes paciente possam ter chance real de cura em um prazo razoável.

Todavia, nenhum de nós se ilude que o câncer avançado segue sendo um desafio muito grande e que os tratamentos disponíveis ainda estão longe do que chamaríamos de ideal.

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Detecção precoce

Nesta semana, a prestigiosa revista Science Translational Research apresentou resultados que podem significar a maior revolução na luta contra o câncer nas últimas décadas.

O conceito é simples: já que os avanços no tratamento do câncer avançado são lentos e limitados pelas próprias características da célula cancerosa, porque não nos esforçamos para tentar detectar estas células enquanto o tumor se encontra em um estágio inicial?

Não seria um tipo de prevenção, como não fumar, por exemplo, mas seria algo muito parecido, na medida que cânceres iniciais são curáveis com medidas muito simples. O reflexo no custo da oncologia e na redução de mortes por câncer seria substancial se essa meta pudesse ser atingida.

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O novo estudo

O que o grupo de Viktor Velculescu, da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, conseguiu foi materializar uma ideia que começou a ser elaborada há meio século, a de que fragmentos de DNA de células que estão morrendo circulam no sangue. Precisamos de mais algumas décadas para desenvolvermos tecnologias sensíveis o bastante para provarmos que células cancerosas também liberam DNA no sangue, e que este DNA tem características diferentes do DNA de uma célula normal.

O grupo da Johns Hopkins desenvolveu uma tecnologia capaz de analisar anormalidades em pouco mais de 50 genes que estão fortemente correlacionadas ao câncer a partir de quantidades ínfimas de DNA no sangue. Um grupo de pacientes que não tinha nenhum sintoma e que teve diagnóstico de câncer muito inicial, descoberto por acaso em exames de rotina teve amostras de sangue analisadas. Em 60% a 70 % deles (dependendo do tipo de câncer) os autores do trabalho identificaram defeitos nos genes analisados.

Quando esses cientistas procuraram defeitos no DNA do sangue de indivíduos que não tinham nenhuma evidência de câncer, nenhuma amostra apresentava mutação. Segundo um dos autores do estudo, o oncologista brasileiro Alessandro Leal, este estudo já começou a ser expandido em uma grande população de indivíduos em um país europeu.

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Se, de fato, formos capazes de descobrirmos 70% dos cânceres mais comuns em estágio inicial, teríamos uma redução proporcional na mortalidade causada por estes cânceres, não mencionando o quanto pouparíamos em sofrimento e custo associado aos tratamentos destinados aos tumores avançados.

Nenhuma descoberta isolada até hoje teria conseguido tal redução em mortalidade nos tipos mais comuns de câncer. Outra vantagem deste método, pela sua simplicidade, seria o seu potencial para uso em massa, com impacto evidente em programas de saúde pública.

Obstáculos a serem vencidos

Mas, é claro, ainda há muitos obstáculos a serem vencidos. Falta aprimorar ferramentas genéticas que permitam saber que tipo de câncer foi identificado pelo estudo do DNA: pulmão, ovário, mama ?

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Quando este método começar a ser utilizado na população geral, quantos casos com teste positivo efetivamente o câncer em questão evoluiria para um câncer invasivo ? Qual seria a periodicidade destes testes ?

É por isso que este é um passo inicial, apesar de fundamental. Apenas estudos com grandes populações e com seguimentos de muitos anos poderão afirmar com certeza se esta ferramenta teria um uso tão promissor para todas as pessoas, ou se seria indicado apenas para um grupo de alto risco (pacientes com historia familiar de um certo tipo de câncer por exemplo).

Brasil em desvantagem

A má notícia para nós, brasileiros, é que provavelmente seremos apenas consumidores de um produto final que tem agregado uma quantidade enorme de conhecimento. A descoberta do DNA circulante no sangue e como podemos nos aproveitar disto é apenas uma das revoluções que a área da genética promete para a espécie humana nas próximas décadas.

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A cada desenvolvimento tecnológico que se soma nesta estrada e que nós ficamos alheios por falta de recursos e por dificuldade de formação de mão de obra muito qualificada, mais distantes ficaremos dos novos desdobramentos que surgirão. Até que ficaremos irrelevantes.

Não se trata apenas de irrelevância econômica, mas sim de irrelevância estratégica. Os países que dominarem esta tecnologia estarão em um patamar historicamente inalcançável para os outros, e, aí sim, teremos um problema gravíssimo para resolver.
Sou sempre otimista, e acho que criaremos soluções para estas questões durante a caminhada.

 

Bernardo Garicochea

 

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