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A humanização da medicina através das artes

Literatura, cinema e música podem se tornar um caminho para melhorar a relação médico-paciente

Por Artur Timerman
Atualizado em 13 set 2018, 17h39 - Publicado em 13 set 2018, 14h10

Medicina é ciência e arte. Desde os tempos de Hipócrates, já era comum se falar da prática médica como a “Arte Médica”. No entanto, hoje podemos observar na prática clínica do dia a dia a crescente desumanização da medicina, que considero a mais humanista das profissões. Tal fato sem dúvida em muito se correlaciona à prática da medicina não como uma arte. Essa constatação é quase unânime. Qual a sua causa?

Má formação médica, com cursos de medicina onde não é valorizado o contexto social dos pacientes, certamente é um dos principais motivos. A super-especialização precoce se caracteriza como uma das manifestações mais expressivas dessa situação: não é raro nos depararmos com alunos do primeiro e segundo ano da faculdade de medicina que se preparam durante os seis anos do curso para serem, por exemplo, eletrofisiologista do músculo cardíaco, dando pouca ou nenhuma importância à formação geral de um bom profissional médico. Diríamos que se formou um eletrofisiologista do músculo cardíaco, mas não se graduou um médico.

Uma vez formado o médico e transcorrido o difícil tempo da residência médica (quando factível), passam a se deparar com os problemas comuns na prática médica: carga horária excessiva, má remuneração, pressão de convênios e condições insalubres de trabalho.

Nesse tempo todo diríamos então que, em torno de 10 anos, de que forma o aluno-médico é estimulado a entender o contexto social do paciente e as condições que o levaram a se tornar “seu paciente”? Que estímulo o curso de graduação propicia a que ele mantenha ou venha a desenvolver o hábito da leitura, de ir ao cinema ou teatro, que vá a concertos; como isso tudo pode ser compatibilizado com a vida extenuante do profissional médico, ainda mais em seus primeiros anos de exercício da profissão?

Pois eu afirmo que esse é um problema sério e que sem dúvida não vem sendo levado na devida consideração diante da relevância de que se reveste.

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Distanciamento médico

Muito tem se propagado acerca da formação de médicos que se apresentam como frios e distantes. Os relatos referentes à tal observação são cotidianos. Hipócrates já afirmava que alguns pacientes sentem-se melhor apenas e tão somente pelo carinho e cuidado observados no médico que dele cuida. Sabemos que isso é verdade ainda nos dias atuais: a aderência aos tratamentos preconizados pelos médicos (os complexos esquemas terapêuticos anti-tuberculose, anti-HIV e anti-hepatites são ótimos exemplos) melhora de forma considerável à medida em que os pacientes se sentem conectados a seus médicos.

Muito provavelmente o que ocorre com os médicos que acabam por perder a dimensão humanista do seu paciente é que seus cérebros encontram-se repletos de outras preocupações, sem espaço para levar em consideração a dimensão pessoal e social do paciente que se lhe apresenta. Não sei se tal plenitude é decorrente de alterações bioquímicas ou anatômicas em nosso encéfalo, mas o que sucede é que perdemos a perspectiva e o equilíbrio da situação.

Talvez tenhamos tanta informação científica incutida em nossos cérebros que acabamos por perder contato com os valores e práticas humanísticas. Sem tal equilíbrio, acabamos sendo vulneráveis à distorção de ideias, tais como aquelas segundo as quais somos obrigados a erguer barreiras diante das emoções humanas que se associam ao sofrimento e à morte de uma pessoa.

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Arte médica

Será possível ensinar essa possibilidade de compaixão e compreensão? Há várias regras que tentam ensinar essa “habilidade”: contato visual, inclinar-se para a frente, tocar o paciente no momento certo. São todos mencionados como regra para que o médico demonstre compaixão pelo paciente.

Considero-os, no entanto, apenas e tão somente como manifestações exteriores, que podem facilmente serem apenas consideradas como “cenas” de uma representação. O paciente facilmente as interpretará como tal, senão conscientemente, como intuição.

Em minha opinião, a arte da medicina é impossível de ser ensinada. Bons médicos irão ter consciência de que a compaixão irá aflorar não espontaneamente, quando ele assim o quiser e for treinado para aparentá-la, mas sim será decorrente de um profundo senso de virtude e bondade, provindos de uma convicção interior componente de sua personalidade.

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Dessa forma, a compaixão para com o paciente e a compreensão de sua situação pessoal e social é muito menos acessível à ciência do que para a arte. Assim sendo, creio que o despertar dos estudantes de medicina e médicos para essa realidade é fundamental para que possamos alterar o difícil panorama hoje vivenciado.

Relações humanas

Isso nos leva à procura de “modelos” a serem utilizados na educação médica; infelizmente nos dias de hoje é muito raro encontrarmos médicos e/ou professores que considerem tais observações relevantes; pelo contrário, o “sistema” de ensino e prática médica que prevalece nos dias de hoje tem em grande parte os marginalizados, privilegiando outros atributos médicos (lembremos da super-especialização que já mencionei antes).

Felizmente, há outros recursos para os quais nos podemos voltar: a arte (poemas, literatura, música, cinema, teatro etc). A arte em geral nos exibe a riqueza que envolvem as relações humanas, não tentando direcionar nosso pensamento, mas nos convidando a vivenciar outras vidas além de nossas próprias.

Esse seria, em minha opinião, o modelo ideal: todas essas formas de arte, dentro de suas peculiaridades, nos desenham e nos colocam no interior da cena, de tal forma que nos tornamos não somente testemunhas, mas os juízes e enunciadores dos princípios nelas contidos. Através dessa forma é possível dissecarmos em minúcias as várias camadas envolvidas na complexidade das relações humanas.

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Arte na medicina

Essa forma de conhecimento certamente não é primariamente intelectual, mas sim essencialmente emocional. O cérebro informa, mas é a emoção que decide. Para que se motivem alterações ou se reforce um determinado padrão de comportamento, deve-se necessariamente demonstrar em ação ou em narrativa um determinado comportamento correlacionado; dessa forma o observador (pessoa que lê, está no cinema, teatro etc.) pode julgar, dando vazão a seus valores, experiência, ambições e desejos pessoais.

É nesse nível mais profundo de participação que se geram imagens vivenciadas. Quando um filme é bem feito e uma história é bem contada, por exemplo, nossa presença entre os personagens é tão real que a interação acaba por ser internalizada não como uma observação, mas sim como experiência. Quando viermos a nos deparar com situações semelhantes posteriormente, os padrões já nos pareceriam familiares — já vivenciados, poderíamos dizer — e, dessa forma, seriam menos intimidadores.

Portanto, acreditamos que o melhor antídoto para o “médico frio e distante” seria uma boa dose de cinema (ou literatura, teatro, música). Imersos na arte encontram-se os meios que nos ensinam como viver com graça em um mundo repleto de dificuldades. Como disse Platão: “O maior erro dos médicos é tentarem curar o corpo sem procurar curar a alma. O corpo e a alma são um e não são tratados separadamente”.

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Artur Timerman

 

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