Pandemia de confusão
Incompetência, displicência e desorganização repaginaram o ditado que disse: casa que falta pão e celebra a escuridão, todo mundo briga e ninguém tem razão

A pandemia do coronavírus produziu um impacto catastrófico na normalidade e regularidade da vida social, econômica, política e, principalmente, nas estruturas da saúde pública e sanitária dos países do planeta. Cada um à sua maneira foi e continua sendo provado à exaustão, e na tentativa de superar tamanho desafio, promoveram, construíram e produziram as soluções possíveis e imagináveis a seu alcance e a sua condição.
Fossem os países e sociedades grandes ou pequenas, pobres ou ricas, com infraestrutura de saúde pública e insumos humanos de qualidade ou não, o desafio que se antepôs foi aquele de organizar, estruturar, gerir e controlar os recursos, quaisquer que fossem eles, e sobretudo manter a serenidade, a calmaria e jamais perder a capacidade de reflexão e decisão suportada pela ciência e pela razão. E, lógico, uma alta de capacidade de construir um plano de ação e um máximo rigor e assertividade na sua execução e operacionalidade. Essas seriam as medidas mínimas para lutar um bom combate, e a falta delas já antecipava um brutal fracasso e uma acachapante derrota.
Contra um inimigo desconhecido, surpreendente e com alta capacidade de disseminação, o esforço exigido primeiramente foi de duas dimensões insuperáveis: capacidade de organização de insumos e esforços para combatê-lo e escolha das estratégias viáveis e possíveis de cumprir esses objetivos. Da mesma maneira, fez-se necessário construir uma mensagem de esperança, otimismo, solidariedade e de espírito de compromisso e colaboração. Um por todos, todos por um.
Se, um ano depois, podemos constatar com calibrada certeza que a destrutiva e cruel pandemia testou e venceu aos limites da nossa competência e capacidade de organização, convergência e consensualização, agora, parece que alcançamos o fundo do poço do razoável e exigível. A discórdia, o litígio e a conflitualidade que nos trouxe até aqui, agora transformou-se em confusão. Um pandemônio onde todos gritam e parece que ninguém consegue apontar um centímetro de razão.
O Congresso sugere a autorização da extinção da responsabilidade civil dos entes internos na compra e operacionalização da vacina e sem exigência da apreciação do órgão regulador interno. Mas, como se diz na gíria presidencial: e se o cara virar jacaré?
O Supremo Tribunal Federal autorizou a compra por municípios e estados diretamente aos organismos e empresas privadas internacionais. Fica a dúvida, mas o esforço não deve ser da convergência e centralização para ganho em escala e negociação mais econômica? É razoável e racional transformar 6.800 prefeitos em caixeiros viajantes atrás de vacinas pelo mundo? Quem fiscalizará a lisura dos processos? Não será um salvo conduto para sangria e malversação dos recursos públicos?
Na pandemia da confusão, o governo confronta a ciência e põe as estruturas do estado não para produzir vacina e viabilizar solução, mas para produzir cloroquina, promover rebuliço e causar alvoroço e inquietação. E médicos e cientistas surreais e saídos do limbo reúnem esforços e energia não para fortalecer a razão e celebrar a vida, mas para vituperar em praça pública a escuridão.
Incompetência, displicência, desorganização, conflito e confusão repaginaram o ditado que afirmou com precisão: casa que falta pão e celebra a escuridão, todo mundo briga e ninguém tem razão.