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Professor, advogado e militante do movimento negro, ele é o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, instituição pioneira de ensino no Brasil que ajudou a fundar em 2004.
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O caso Sueli Carneiro: silêncio perturbador

Com o racismo de qualquer coloração e natureza não pode haver concessão – e nem silêncio

Por José Vicente Atualizado em 18 out 2021, 14h44 - Publicado em 18 out 2021, 14h43

Seguramente, fui um dos negros que mais escreveu artigos com frequência na Folha de S. Paulo, nos últimos vinte anos. Foram tantos, que, reunidos, permitiram transformar na minha primeira obra literária: um livro de 150 páginas, denominado Discursos Afirmativos. Essa condição de articulista livre permitiu da mesma forma a honra de uma convivência rica, respeitosa, crítica e construtiva com o jornalista Otávio Frias.

Nas dezenas de encontros e visitas à Folha de S.Paulo sempre frisava que seu prestigioso jornal continuava falhando nos propósitos de ser um veículo totalmente democrático e plural, enquanto os negros estivessem de fora das redações, da gestão, das primeiras páginas, e, sobretudo, do espaço de articulistas. Tentei de todas as formas convencê-lo do caráter transformativo das cotas para negros nas universidades e serviço público federal, e, confesso, não fui bem-sucedido, frente ao seu posicionamento convicto de defesa das cotas sociais.

Ainda, assim, jamais faltou o apoio e destaques para todas as realizações da Universidade Negra Zumbi dos Palmares. Nela, ele participou de várias atividades, e com ela realizamos atividades conjuntas, inclusive discussão sobre racismo e mercado de trabalho, na sede do prestigioso jornal. Pela escolha fabulosa de Flávia Lima, jornalista e mulher negra como ombudsman, concedemos-lhe o Troféu Raça Negra.

Tive da mesma forma, o prazer e a honra de ser consultado, ser ouvido, e mesmo participar de importantes momentos de transformação do posicionamento do jornal Folha de S.Paulo em relação ao racismo, ao combate à discriminação contra os negros e à valorização da diversidade racial nos meios de comunicação e na sociedade, em geral, ao longo dos anos. Fruto dessa nova disposição e legado pós-morte, vi os negros chegarem às primeiras páginas, vi a primeira jornalista negra ombudsman, vi os números de articulistas saltarem de nenhum para quase dez nos últimos dois anos, vi a criação de um caderno de diversidade, vi a criação de um Índice de Equidade Racial e vi o tema e os negros de todas as áreas serem tratados com dignidade e respeito em todas os cadernos.

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O convite e a nomeação da filósofa Sueli Carneiro e do professor e jurista Thiago Amparo, duas importantíssimas personalidades negras nacionais, para integrar seu conselho editorial foi o marco e a chave de ouro dessa construção longínqua, e que confirmava a mudança pioneira e histórica da aplicação do discurso e da prática do valor da pluralidade e da diversidade racial no seio da comunicação jornalística brasileira.

Pela primeira vez na história do jornalismo havíamos chegado tão longe e pela primeira vez críamos um paradigma com potência suficiente para revolucionar o setor e, a partir dele, segmentos importantes da sociedade, na direção da consolidação da diversidade racial e participação e valorização dos negros na formação da opinião social e da sociedade como um todo.

Todavia, entre esse acontecimento glorioso de mudança e transformação, em curso, e um texto grosseiro, desrespeitoso e com requintes de hostilização racista de um também articulista do veículo, a Folha preferiu lavar as mãos no silêncio e na neutralidade, quando tinha diante de si a oportunidade histórica de confirmar definitivamente os valores que ela mesma acabara de acolher e anunciar com pompa e circunstância a seus leitores e admiradores: a não concessão às agressões do racismo, a valorização da diversidade racial como expressão da pluralidade e da democratização dos pontos de vistas, através da opinião do negro na opinião do jornal. E, logo, a defesa inconteste da dignidade da pessoa humana.

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Ao se calar, não apresentar e justificar seus motivos – a nosso ver injustificáveis –, o jornal, ao optar por considerar o texto ofensivo e racista, como intocável e inquestionável manifestação da liberdade de expressão, corre o risco de parar a revolução a partir da relativização dos negacionismos do novo normal, e principalmente com os valores inegociáveis da dignidade da pessoa humana. De quebra, coloca em questão a lisura do seu gesto de convidar as duas personalidades negras para seu conselho editorial.

Se a atitude do pedido de desligamento do conselho editorial da Folha feito pela filósofa Sueli Carneiro é daqueles acontecimentos que enche o peito de qualquer indivíduo de orgulho, ao mesmo tempo em que fortalece nossa convicção sobre a grandeza e imperatividade da ética, nos deixa também perturbados com o silencio sepulcral do jornal e de toda sociedade.

Continuo respeitando e reconhecendo as grandiosas realizações e o grande esforço de superação da Folha, e até espero uma condução e solução correta e justa em relação ao ocorrido. Da mesma forma, torço por um final feliz que evite a saída também de Thiago Amparo e permita o alcance integral da como disse revolução. Mas, concordo em gênero e grau com Sueli: com o racismo e racistas de qualquer coloração e natureza não pode haver concessão. E, nem tampouco silêncio.

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