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Informação e análise
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Por Universal e Crivella, Bolsonaro expõe Brasil a vexame na África

Se não ligam à humilhação pública e pessoal, é problema deles. Mas deveriam poupar a diplomacia nacional das perdas, danos e vexame no continente africano

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 out 2021, 13h55 - Publicado em 23 out 2021, 08h00

Tudo bem, se Marcelo Crivella e seu amigo Jair Bolsonaro não se incomodam com a humilhação pública e pessoal. É problema deles. Mas deveriam se preocupar em proteger a diplomacia brasileira de perdas, danos e vexame no continente africano.

No último outono, Bolsonaro pediu ao governo da África do Sul consentimento para nomear o ex-prefeito do Rio na função de embaixador do Brasil na capital Pretoria.

Depois de quatro meses sem resposta, insistiu num telefonema ao presidente sul-africano Cyril Ramaphosa. Continuou sem uma reação objetiva.

No idioma da diplomacia, o som do silêncio nesses casos costuma ser a maneira elegante de se pronunciar a palavra “não”.

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O presidente e o ex-prefeito sabem, mas dissimulam por razões só explicáveis pelo jogo eleitoral no Rio para 2022.

Crivella integra a cúpula da Universal, maior fração do televangelismo brasileiro. Ela emergiu dos subúrbios do Rio, nos anos 1980, no vigor do movimento evangélico, que cresceu
540% nas décadas seguintes, alcançando 42,2 milhões de fiéis autodeclarados (Censo de 2010).

Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja,rede de rádio e televisão, banco e partido político. É sócia majoritária no Republicanos, com 31 deputados federais e um senador. A eficiência da máquina eleitoral projetou Crivella, que se elegeu senador, foi ministro da Pesca no governo Dilma Rousseff (PT) e, depois, prefeito do Rio.

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É visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, na liderança dos negócios do grupo neopentecostal, desde sua empreitada bem sucedida com o televangelismo na África do Sul, onde viveu nos anos 1980.

Foi um êxito para a Universal, principalmente na expansão para Angola, que logo se tornou um dos principais centros de arrecadação do grupo. Com o tempo, o modo Macedo de governança passou a ser contestado pelos seguidores angolanos.

Em 2019, a crise angolana evoluiu para um cisma. Cerca de 320 integrantes do segundo escalão local da Universal proclamaram a separação, justificando-a com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. Numa noite de maio do ano passado, assumiram 85 templos em várias províncias cristalizando a rebelião contra a liderança brasileira. Rupturas já faziam parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia.

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Os problemas da Universal angolana nada têm a ver com interesses do Estado brasileiro. São de natureza particular, numa organização de direito privado. No entanto, Bolsonaro resolveu usar a presidência e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Tomou parte na briga.

Em julho do ano passado apelou à interferência direta do presidente angolano João Lourenço na disputa. Em correspondência, classificou o embate pelos templos como “invasões” e qualificou os dissidentes locais como “ex-membros” da Universal. Lourenço respondeu-lhe, por escrito, com a força da ambiguidade diplomática: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

O ano terminou numa tempestade perfeita para a Universal. Além de perder a base de arrecadação em Angola, seu protagonista na política fluminense, Crivella, se tornara o primeiro prefeito carioca a ter as contas rejeitadas. Foi condenado na Justiça Eleitoral, por abuso de poder. Em seguida, preso por ordem do Superior Tribunal de Justiça, acusado de corrupção.

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Quando Bolsonaro pediu ao governo da África do Sul consentimento para nomeá-lo embaixador brasileiro em Pretoria, Crivella sequer podia sair do país. Havia uma proibição judicial e seu passaporte estava apreendido, medidas só revogadas dois meses depois, em agosto.

Bolsonaro persistiu no uso do Estado para defender negócios de aliados políticos. Enviou o vice-presidente Hamilton Mourão a uma conferência de cúpula na África, em julho, com a missão de pressionar o governo de Angola por solução favorável os interesses da Universal. Deu errado.

O apelo ao presidente sul-africano Cyril Ramaphosa, na quinta-feira 7 de outubro, foi uma tentativa de pressionar a diplomacia sul-africana a aceitar a indicação Crivella como embaixador brasileiro. Duas semanas depois, não há indício de que tenha dado certo.

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Ainda que, eventualmente, a África do Sul resolva ceder pelo cansaço, o ex-prefeito do Rio precisaria superar as resistências à sua aprovação no Senado, que hoje são similares às da indicação de um dos filhos parlamentares do presidente para a embaixada brasileira nos Estados Unidos.

A insistência de Bolsonaro transformou o caso Crivella em piada política no Rio. Eduardo Paes, prefeito carioca, publicou mensagens em zulu, africâner e em inglês — idiomas falados no país — com apelo a Ramaphosa para que aceite Crivella no território sul-africano: “Por favor, Senhor Presidente da África do Sul, aceite o novo embaixador designado do Brasil na África do Sul. Você será amado para sempre pelos cariocas depois de fazer isso! Vá em frente”.

Bolsonaro se arrisca no uso de meios e recursos estatais para defesa de interesses privados de aliados políticos no exterior. E põe em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.

Se o presidente e o ex-prefeito não ligam para a humilhação pública e pessoal, pelo menos poderiam combinar uma saída “honrosa” para todos. Crivella poderia renunciar à embaixada. Caso lhe falte inspiração pode tomar emprestado um modelo de carta-renúncia da lavra do escritor inglês Oscar Wilde (1854-1996): “Infelizmente, devo declinar do seu convite, em razão de um compromisso assumido posteriormente.”

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