Na Câmara, esqueceram de combinar com as mulheres
ONGs dos direitos civis reagem à proposta de mudança no sistema eleitoral, que ameaça reduzir ainda mais a pequena bancada feminina no Legislativo
Depois de restringir a punição a agentes públicos — políticos, principalmente — em casos de corrupção, a Câmara dos Deputados prepara a votação de uma nova lei eleitoral, para valer no próximo ano.
Arthur Lira, presidente da Câmara, quer aprovar as mudanças nas próximas duas semanas, antes do recesso.
Uma das alterações seria a instituição de um novo sistema de votação eleitoral, o Distritão, no qual apenas os candidatos mais votados são eleitos.
Esse sistema foi rejeitado no plenário da Câmara há menos de cinco anos, e está limitado a quatro países — Afeganistão, Jordânia, Vanatu, no arquipélago das Novas Hébridas, e Ilhas Pitcairn, na Polinésia.
Foi descartado em 2017 sob o argumento de que tende a favorecer a corrupção e o clientelismo, além de fragilizar a representação partidária, já excessivamente fragmentada com 37 partidos e outros 70 com pedido de regularização na Justiça Eleitoral.
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Na prática, reduziria significativamente o número de candidaturas em cada partido. Beneficiaria parlamentares candidatos à reeleição no próximo ano. E restringiria ainda mais a renovação dos quadros políticos, sobretudo por gênero e etnia.
No ambiente masculino do Legislativo, onde os homens dominam 85% dos 513 votos na Câmara, aparentemente, esqueceram de combinar com as mulheres.
Elas somam apenas 15% no plenário de deputados, mas formam maioria de 53% no eleitorado de 147 milhões de brasileiros.
A perspectiva de redução da bancada feminina — e étnica — no Congresso, nas assembleias legislativas e e câmaras municipais começou a provocar reações nas cidades.
Organizações de defesa dos direitos civis decidiram protestar contra essa e outras mudanças projetadas nas regras eleitorais de 2022.
Centena e meia de entidades se uniram, nesta semana, em defesa da preservação do atual sistema de voto proporcional, que consideram “mais inclusivo” em gênero e etnia.
Criaram uma Frente pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres e anunciam pressão sobre o Congresso. Justificam: “O compromisso de manter o patamar mínimo atual de candidaturas, ou ainda ampliar este percentual, é o único ponto de partida para propostas que assegurem o que conquistamos.”
“Entendemos que as propostas de reserva mínima de 15% de vagas parlamentares [para mulheres] representam um retrocesso por já ser a média atual” — acrescentam em manifesto. “Assim, qualquer proposta que pretenda legislar sobre reserva de vagas não pode estar abaixo de 30%, porcentagem que há muito é considerada como o mínimo.”
A cota hoje existente (de 30%) para mulheres, lembram, apenas deixa o país em posição similar à média latino-americana, e em 18º lugar no ranking continental da União Interparlamentar.
No mapa-múndi da presença feminina no Legislativo, a situação do Brasil nem chega a ser ruim, é péssima: ocupa o 142º lugar entre os países que integram as Nações Unidas.