A ideia é antiga e pode merecer um bom debate político sobre as fronteiras do interesse estratégico do país e os do patrimônio do Estado. O problema está na sua oferta como um elixir para resolver problemas de caixa governamental em temporadas eleitorais. E, nessas ocasiões, sempre em nome dos pobres.
Guedes retomou a ideia ontem, numa conversa com jornalistas em Washington: “Quando os preços dos combustíveis sobem, os mais frágeis estão em dificuldades. Imagine, então, se eu vender um pouco das ações da Petrobras e der para eles [os pobres] esses recursos?”
Guedes merece crédito pela coerência: há exatos 32 anos defende a venda da companhia de petróleo e, também, das demais empresas públicas. Registrou a tese da privatização total para “zerar” a dívida pública federal (interna) no programa do candidato do Partido Liberal em 1989, Guilherme Afif, na primeira eleição presidencial depois da ditadura. Afif terminou em sexto lugar, e Fernando Collor venceu Lula no segundo turno.
Quase à mesma hora em Brasília, distante de Guedes cerca de 4 mil quilômetros, Arthur Lira, presidente da Câmara, divagava sobre o impacto dos altos preços do petróleo e derivados em entrevista à rádio CNN: “Não seria o caso de privatizar a Petrobras? Não seria a hora de se discutir qual a função da Petrobras no Brasil? É só distribuir dividendos para os acionistas?”
Lira, comandante do Centrão, parecia estar num dueto com o economista liberal. E seguiu na digressão: “Ela deixou de fazer investimentos para distribuir dividendos [aos acionistas, governo e investidores privados]. Para que serve esse patrimônio para o povo brasileiro? Essas discussões que têm que ser feitas.”
Guedes costuma se referir à companhia de petróleo como um totem de tribos políticas que julga prisioneiras do ideário nacionalista da primeira metade do século passado. Lira não é conhecido pela reflexão, mas pela capacidade de ação — há oito meses no comando da Câmara já aprovou 141 novas legislações, algumas muito polêmicas como a da privatização da estatal Eletrobras.
Por trilhas diferentes, Guedes e Lira chegaram ao mesmo ponto: a permissão legislativa para venda dos papéis da Petrobras controlados pelo governo. Estima-se que representem 38% do total de ações ordinárias, com direito a voto, ficando o Estado com algum poder de veto (ação do tipo “golden share”), como já aconteceu nos casos da Embraer e da Vale.
O modelo em estudo equivale ao adotado recentemente para a Eletrobras, criticado pelo excesso privilégios concedidos a alguns segmentos privados, como os grupos empreiteiros de infraestrutura de gasodutos.
Guedes e Lira, por enquanto, apenas vagueiam pela ideia de privatizar a companhia de petróleo. Há dúvida se é jogo combinado com Jair Bolsonaro, antigo defensor do intervencionismo estatal na economia.
Em 1999, quando o trio mal se conhecia, Bolsonaro deu uma entrevista na televisão. O apresentador Jô Soares quis saber sua opinião sobre o programa de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, que previa a venda de estatais como Vale e Telebrás.
Deputado pelo Partido Progressistas — o mesmo de Lira —, ele riu. E respondeu com uma proposta: fuzilar o presidente. Não se sabe se depois de 22 anos Bolsonaro mudou de ideia.