Será surpresa para a Casa Branca se o governo Jair Bolsonaro cumprir as metas ambientais que anunciou na reunião de cúpula sobre o clima, em abril.
Há dúvidas, porque faltam ações concretas, comentou John Kerry, negociador dos Estados Unidos para o acordo climático global, em reunião com sete governadores na sexta-feira: João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e Reinaldo Azambuja (MS), do PSDB; Renato Casagrande (ES) e Flavio Dino (MA), do PSB; Wellington Dias (PI), do PT; e, Helder Barbalho (PA), do MDB.
Kerry, diplomaticamente, deixou claro que há um déficit de credibilidade do governo brasileiro em negociações ambientais.
Exemplificou com as dificuldades de se cumprir as metas anunciadas por Bolsonaro neste segundo semestre em relação ao desmatamento na Amazônia.
A derrubada da floresta, com incêndios e desmate, aumentou 51% entre agosto do ano passado e junho último, segundo dados oficiais, em comparação com os 11 meses anteriores. Foram devastados 8,3 mil quilômetros quadrados, área cinco vezes maior que a da cidade de São Paulo.
O encontro virtual com Kerry deixou políticos brasileiros com algumas certezas sobre as relações entre os governos Joe Biden e Jair Bolsonaro.
Uma delas é que os EUA preparam, junto com a União Europeia, mecanismos de controle e verificação das promessas brasileiras sobre desmatamento na Amazônia. Devem apresentá-los na conferência sobre o clima na Escócia, em novembro. Sanções, também, serão conjuntas, se e quando aplicadas.
Outro aspecto relevante foi a confirmação do interesse do governo Biden em inaugurar uma linha de comunicação direta com os governadores, atores políticos cuja relevância foi realçada na catástrofe pandêmica, está refletida nas pesquisas de opinião — todos têm nível de aprovação muito superior ao de Bolsonaro —, e tendem a desempenhar papel fundamental nas eleições do próximo ano, como candidatos ou aliados influentes nas respectivas regiões.
Kerry confirmou a receptividade a uma relação com os estados baseada em programas ambientais específicos. Indicou a designação de um grupo técnico para iniciar a negociação de iniciativas conjuntas, como proposto por 24 estados.
Está na mesa a ideia de criação de meios de financiar e gerenciar projetos nos “ativos verdes” — biomas do Sul, Sudeste e da Amazônia. O foco seria a redução das emissões de carbono, regeneração florestal, e desenvolvimento de cadeias econômicas alternativas para populações ambiental e socialmente vulneráveis
É iniciativa diplomática inédita. Expõe o crescente isolamento interno e externo do governo Bolsonaro e revela uma expansão do ativismo dos governantes estaduais no vácuo da administração federal num tema que se tornou vital ao desenvolvimento — a conversão da economia mundial a um novo padrão de eficiência energética e de conservação ambiental.
O lance de Kerry na sexta-feira retrata Joe Biden enquadrando Bolsonaro, que o hostilizou de forma aberta durante toda a disputa eleitoral americana no ano passado. Mas não foi o único na semana.
Ontem, no Recife, representantes do governo Emmanuel Macron, alvo até de insultos de Bolsonaro, celebraram a “cooperação” da França com governadores do Nordeste em áreas como meio ambiente. Por coincidência todos integram partidos de oposição ao presidente-candidato Bolsonaro.