CPI investiga uma central de pagamentos de subornos em Brasília
Suspeitas eram sobre dezena e meia de negócios com órgãos federais de Saúde, agora abrangem quatro centenas de contratos com o setor público federal
Senadores acham que a CPI da Pandemia encontrou indícios de funcionamento em Brasília de uma central de pagamentos de subornos em dinheiro vivo a políticos e funcionários públicos.
As investigações começaram sobre dezena e meia de negócios com órgãos federais de Saúde, e já abrangem quatro centenas de contratos com o setor público federal.
Na versão mais conspirativa, suspeita-se da existência uma rede de intermediação política no circuito Congresso-governo, com uso intensivo de dinheiro em espécie, que já existia e continuou funcionando na administração Jair Bolsonaro.
Brasília é uma das cidades brasileiras com maior circulação de papel-moeda. Entrou com São Paulo na seleção de metrópoles em três continentes, dois anos atrás, para um estudo sobre benefícios de uma eventual redução do papel-moeda na economia.
Por essa avaliação da consultoria Roubini ThoughtLab para o grupo Visa, especializado em tecnologia de pagamentos, Brasília é uma capital política onde se movimenta dinheiro em espécie na escala de US$ 2 bilhões por ano, o equivalente a R$ 10,6 bilhões.
A maior parte é regular, mas é certo que uma fração significativa dessas operações com papel-moeda aduba os jardins das transações obscuras com o maior contratante do país, o setor público federal.
A legislação favorece. Num exemplo da semana passada, a CPI rastreou R$ 2 milhões em espécie sacados de uma agência bancária no aeroporto da cidade, entre março e abril passado, por uma empresa contratada pelo Ministério da Saúde, a VTCLog.
O portador foi um motoboy com salário de R$ 1,6 mil mensais, mais o aluguel da motocicleta, que confirmou o transporte de dinheiro na mochila — os saques em sequência variaram de R$ 100 mil a 350 mil, em menos de quatro meses.
A VTCLog nega irregularidades com o dinheiro e, também, a intermediação ilícita de seus negócios pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Acusado pelo relator da CPI, Renan Calheiros, de “comandar a roubalheira” no Ministério da Saúde, Barros retrucou com uma exaltação da própria honestidade: “Minha conduta é ilibada”.
Flagrantes de maços de papel-moeda escondidos na roupa íntima, dinheiro em malas e caixas transportadas em aviões privados são cenas comuns na paisagem política de Brasília, principalmente nas temporadas de campanhas eleitorais.
Mas é crescente a pressão para se restringir a liberalidade na circulação de dinheiro vivo no país, equiparando a legislação doméstica às da Europa e dos Estados Unidos em limitações.
A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou nesta semana um projeto para proibir o uso de papel-moeda nas seguintes situações:
1) Transações acima de R$ 10 mil, inclusive para pessoas não residentes no país;
2) Pagamento de boletos ou fatura acima de R$ 5 mil (acima de R$ 10 mil para não residentes);
3) Transporte acima de R$ 100 mil, exceto para empresas de valores;
4) Posse em espécie acima de R$ 300 mil, salvo situações especificadas em lei.
Na comissão do Senado, houve apenas uma contestação ao projeto. Partiu do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), notório pelo talento para lucrar muito, várias vezes e rapidamente em transações imobiliárias. Ele tentou adiar a votação, argumentando sobre “a importância de se discutir a realidade dos brasileiros”. Acabou vencido no plenário.