Congresso produz ‘unicórnio’ de um bilhão de dólares
Nasce uma potência com receita de R$ 6,1 bilhões — mais de um bilhão de dólares —, equivalente ao faturamento de algumas das cem maiores empresas do país
Hoje, em Brasília, emite-se a certidão de nascimento de uma nova potência econômica.
Ela vai começar o ano com receita garantida de R$ 6,1 bilhões — mais de um bilhão de dólares, pelo câmbio de ontem.
Não é pouco. Equivale ao faturamento anual de algumas das cem maiores empresas do país, como LG (eletrônicos), Souza Cruz (cigarros), Natura (cosméticos) e Gerdau (aço); Celesc e Comgás (energia); Marfrig (frigorífico) e Renner (varejo).
Empreendimentos recém-nascidos com valor de bilhão de dólares não são comuns. Também não eram oito anos atrás, quando a americana Aileen Lee, 51 anos, da investidora KPCB, usou a expressão “unicórnios” para descrever “start-ups” privadas que emergiram bilionárias no Vale do Silício, na Califórnia, epicentro da revolução tecnológica.
O “unicórnio” vai surgir em Brasília durante a sessão do Congresso, marcada para votação da lei orçamentária de 2022.
Não é empreendimento privado, mas um tipo híbrido, com receita derivada dos impostos e administração particular — esquisito como o mitológico cavalo de chifre espiralado.
Quando o dia acabar, um conglomerado de 34 partidos de todos os matizes políticos terá a garantia de um 2022 com receita bilionária (R$ 6,1 bilhões, ou um bilhão de dólares) para sustentar sua burocracia e financiar campanhas eleitorais.
Se formassem uma holding empresarial, poderiam chamá-la Partidos Políticos S.A. e, eventualmente, tentar inscrevê-la no Unicorn Club, criado por Aileen Lee na Cowboy Ventures.
O valor é quase o triplo da dinheirama usada nas últimas eleições. No universo privado são raríssimas as empresas brasileiras que conseguiram triplicar faturamento nos últimos três anos, sob pandemia e aguda crise político-econômica.
O dinheiro é público, dos impostos pagos pela sociedade. Extraído diretamente do Orçamento da União passa à gerência privada, operada pelos donos dos partidos.
A transparência nos gastos, assim como a fiscalização da contabilidade, é rarefeita. Na prática, inexistente — até porque as regras são feitas no Congresso, pelos próprios interessados, e inviabilizam um controle efetivo.
O uso da palavra unicórnio no meio empresarial sugere o êxito de indivíduos ambiciosos que combinam dígitos e algoritmos certos, e acabam premiados com o absurdo poder de geração de riqueza proporcionado pela tecnologia de informação. O êxito aí requer trabalho duro e investimento de alto risco.
O unicórnio do Congresso é de outra natureza. Nasceu do jogo combinado entre Jair Bolsonaro, candidato à reeleição e um dos beneficiários, e os líderes do Centrão, que negociaram com dirigentes da oposição na Câmara e no Senado. Psol e Novo protestaram. O Novo diz que só aceita dinheiro de doações individuais, privadas, até o limite estabelecido na legislação eleitoral.
Governistas, oposição, e mesmo aqueles partidos sem deputados ou senadores eleitos, vão receber a receita bilionária assim: R$ 5,1 bilhões saem do orçamento como fundo eleitoral, outros R$ 1 bilhão como fundo partidário.
Na partilha, o União Brasil (fusão do PSL com o DEM) fica com a maior fatia, de R$ 1 bilhão. O PT vem em seguida, leva R$ 650 milhões.
No fim da fila estão cinco partidos, quatro à esquerda (PCB, PSTU, PCO e UP) e um à direita (PRTB, que abriga o vice-presidente Hamilton Mourão). Recebem R$ 4 milhões cada.
Há, ainda, uma fonte indireta de recursos com efeitos eleitorais. No próximo ano, aproximadamente R$ 15 bilhões serão destinados ao pagamento de “emendas de relator”, no orçamento paralelo. Todas são relevantes aos interesses de parlamentares em batalha pela reeleição.
Em 2015, diante das cobranças por sucessivos casos de corrupção, a partir de doações de empresas privadas, os parlamentares escolheram saída mais cômoda: transferiram a conta para o orçamento público.
O unicórnio do Congresso surge, agora, como símbolo de uma distorção ainda mais grave — a desconexão dos partidos políticos com a realidade de um país empobrecido, consumido na voragem pandêmica e inflacionária.