Sabatina de Aras expõe classe política inteira
As instituições estão sendo cada vez mais conquistadas pela cabeça, e, por isso as listas tríplices deveriam ser instituídas por força de lei
Nessa última terça-feira, o Procurador Geral da República Augusto Aras foi sabatinado, durante seis horas, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tendo o seu nome aprovado por um placar folgado de 55 votos a 10.
Ficou patente o esforço do sabatinado para assegurar aos senadores – sem qualquer disfarce – que não atua “criminalizando a política”, como se não fosse a própria classe política que, nos últimos anos, esteve envolvida até o pescoço em inúmeros esquemas – e escândalos – criminosos, enlameando-se a si própria.
A sabatina de Aras foi uma peça do teatro de absurdo em que se transformou o Brasil: o ocupante do cargo mais relevante para a persecução penal de autoridades com foro privilegiado mostrando-se submisso aos interesses dos caciques do fisiologismo político.
O nome de Augusto Aras não estava na lista tríplice – que é apresentada apenas consuetudinariamente, a cada dois anos, após votação interna da qual participam os membros da ativa do Ministério Público Federal.
Essa situação nos mostra que as instituições estão sendo cada vez mais conquistadas pela cabeça, pelo topo, e, talvez, por conta disso, as listas tríplices deveriam ser instituídas, como freios e contrapesos, por força de lei, de forma mais ampla, e não apenas por costume, no âmbito do Ministério Público, mas de outras instituições como Receita Federal e polícias judiciárias, entre outras.
O Ministério Público Federal, instituição que é combativa e destemida por natureza, instrumental para a Justiça (e extremamente respeitada pela sociedade brasileira), e que vem, mormente no período pós-1988, prestando serviços inestimáveis para a nossa democracia, certamente sente-se desconfortável com Aras na PGR. Trata-se definitivamente de um corpo que não pertence à sua (atual) cabeça.
O mais interessante foi assistirmos senadores petistas e bolsonaristas (dos campos da esquerda e da direita) irmanados na confirmação de mais dois anos para Augusto Aras, que foi o Procurador Geral da República que bateu o último prego na tampa do caixão da Operação Lava Jato.
Essa indisfarçada conjugação de esforços – de políticos de todas as matizes ideológicas – contra iniciativas sérias de enfrentamento ao crime institucionalizado que nos atinge historicamente é a prova do que estamos repetindo já há algum tempo: a nossa corrupção sistêmica não é da esquerda nem da direita, mas o “momento resultante” da atuação dessa elite política patrimonialista e clientelista, com setores de um empresariado que se criou no capitalismo de compadrio, e apoiados pelo corporativismo de instituições oportunistas.
E, finalmente, o presidente Jair Bolsonaro não fez absolutamente nada para combater esse estado de coisas, muito pelo contrário. Traindo suas promessas de campanha, escolheu nomes – para postos chaves – que aprofundam e cristalizam o problema. E ainda promove, deliberadamente, uma polarização política que nos coloca à beira do abismo, com ameaças inclusive à ordem democrática.