A Polícia Federal atravessa uma crise pública sem precedentes no governo Bolsonaro. E isso é uma realidade que não pode ser mais disfarçada
Depois de termos testemunhado a passagem de cinco diretores-gerais num lapso de menos de quatro anos, vemos agora um caso de ingerência política escancarada, para não dizermos desavergonhada.
A direção-geral da PF resolveu mudar o comando de sua unidade em Alagoas, uma unidade da federação onde o fisiologismo politico historicamente impera. Pois bem, após a indicação formal do delegado Marcelo Werner para substituir o atual superintendente Sandro Valle, uma reviravolta operada pela intervenção do ministro da Justiça Anderson Torres impediu a mudança de chefia.
Ontem, 10 de maio, dez delegados da PF lotados em Alagoas firmaram um documento inédito na história do órgão, onde cobram explicações à direção do órgão sobre o titubeio administrativo, explicitam abertamente a quebra de confiança no atual superintendente e ainda colocam seus cargos de chefia à disposição.
E houve quem comemorasse quando Anderson Torres assumiu o Ministério da Justiça, por termos ali, na “nossa pasta”, pela primeira vez, um delegado da PF. Ledo engano, na verdade a leitura deveria ter sido outra: o que tínhamos antes era um político dentro da Polícia Federal.
Quem acompanha a PF sabe que estamos vivendo o apogeu da era dos delegados abduzidos pela política, os chamados “delegados pet”. E esperamos que a ficha caia na corporação, e que os próprios quadros da PF, os profissionais de polícia, reajam a essa triste realidade.
Conversando com meu colega e amigo Rosalvo Franco, que foi titular da Superintendência da PF em Curitiba, durante quase todo o curso da Operação Lava Jato, soube que ele nunca foi – e nem se sentiu – acossado pela direção-geral do órgão, na época ocupada por Leandro Daiello. O delegado Daiello por sua vez resistiu, equilibrando-se no fio da navalha, entre fazer o que era certo e se manter minimamente leal ao ministro José Eduardo Cardozo. A bem da verdade, Cardozo igualmente se conteve. O que aconteceu depois todos sabem. A Lava Jato correu, e minou o próprio governo que nomeara Daiello, sendo capital para a derrocada da presidente Dilma Rousseff.
Leandro foi um equilibrista que sabia que a história iria julgá-lo no futuro. Blindou como pôde a equipe de Curitiba. Foi discreto e nunca comemorou as prisões dos poderosos, porque aí poderia ser visto como que tripudiando sobre sua linha hierárquica.
É triste reconhecer que o governo Bolsonaro, eleito na onda e por força da Lava Jato, que por sua vez foi produto do trabalho da própria Polícia Federal, está fazendo de tudo para interferir e neutralizar a Polícia Federal, justamente no que ela tem de melhor a entregar para a nossa sociedade, os inquéritos e investigações sobre esquemas de corrupção pilotados por poderosos.
Os governos do PT promoveram esquemas de corrupção históricos, como Mensalão e Petrolão, mas não conseguiram – e nem sequer chegaram perto de tentar – emascular a Polícia Federal como o governo Bolsonaro está fazendo.
Estamos assistindo a um ataque desassombrado às instituições, que ocorre à luz do dia. E isso é terrível para a democracia e para a Justiça desse país.
Que os agentes, peritos e delegados da PF não capitulem pelo caminho, pois o amanhã há de chegar.