Isabela Boscov

Por Coluna

Está sendo lançado, saiu faz tempo? É clássico, é curiosidade? Tanto faz: se passa em alguma tela, está valendo comentar. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Brasil

Sobrevivente

Por Isabela Boscov Atualizado em 31 jul 2020, 00h11 - Publicado em 1 nov 2015, 17h43

Querida, eu sei o que estou fazendo.

Hoje tem episódio especial de The Walking Dead, e Rick & cia vão tomar conhecimento de sua perda mais chocante até aqui. Então sugiro que você já comece a entrar no clima de nervosismo logo antes, com o breve (só 91 minutos), criativo e altamente satisfatório Sobrevivente, que saiu por aqui em DVD e está também no acervo do Netflix.

É proposital a impressão que o diretor estreante Adam MacDonald quer criar na primeira cena, de que você já viu este filme antes: na estrada, dentro do carro, Jenn (Missy Peregrym, uma boa surpresa) e o namorado, Alex (Jeff Roop) vão ouvindo música, conversando e trocando farpas afetuosas a caminho de um fim de semana na mata, em um parque nacional no Canadá. Jenn é advogada, está preocupada com o trabalho e ocupada com o celular; nunca acampou nem faria muita questão de começar agora. Mas Alex se acha uma espécie de especialista em sobrevivência e insiste que ela tem de conhecer a Trilha Blackfoot, onde ele passou momentos aventurosos da sua adolescência e juventude. A opinião que Alex faz de si mesmo, porém, tem só uma tênue relação com a realidade dos fatos: quando, na chegada ao parque, ele recusa o mapa que o guarda florestal oferece a ele, está na cara que 1) lógico que ele não conhece a trilha tão bem quanto imagina, e esse mapa vai fazer uma falta danada mais adiante, e que 2) Alex está desesperado para impressionar Jenn; esse relacionamento está nas últimas, e o fim de semana a sós é uma tentativa de reverter o inevitável.

Continua após a publicidade

Uns 90% do efeito que Sobrevivente surte estão no talento do diretor para criar muita atmosfera a partir de elementos muito simples – o som dos gravetos se quebrando sob os pés do casal, a maneira como as árvores ou as curvas e inclinações da trilha limitam a visão que eles têm do entorno, a tensão que começa a estalar entre eles à medida que a caminhada prossegue e a mata vai ficando mais e mais deserta (e a inépcia de Alex vai ficando mais e mais evidente). É a claustrofobia dos espaços abertos, algo que outro filme igualmente pequenininho e bem eficaz, Mar Aberto, também explorava com perícia. A certa altura, de noite, um outro aventureiro aparece no acampamento de Jenn e Alex: Brad (Eric Balfour), um sujeito insinuante, com um facão enorme e uma penca de trutas que acabou de pescar e que pretende assar na fogueira que eles acenderam. Ele é uma ameaça? Não é?

Calma, porque você vai ficar na mesma dúvida que Jenn e Alex: Adam MacDonald gosta de brincar com seus personagens, e com o espectador, com aquela perversidade das crianças que torturam tatus-bolinhas no jardim, e ele ainda tem um infinito de crueldades em estoque. Mas elas não são bem o que você espera, ou o que Jenn e Alex imaginam. Só digo uma coisa: são bem piores.

Continua após a publicidade