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Isabela Boscov

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O garimpo da semana: Música da Alma

Um quarteto de aborígenes australianas vai cantar soul music no Vietnã: uma delícia

Por Isabela Boscov Atualizado em 23 jan 2017, 16h24 - Publicado em 5 jul 2016, 20h20

O título nacional desta comédia que entrou agora há pouco no Netflix é um desastre, eu sei – alguém quis fazer uma brincadeira com soul music (soul = alma) e acabou criando a impressão que se trata de filme de pregação religiosa. Nada a ver: é uma delícia do começo ao fim a história das irmãs Gail, Cynthia e Julie, que moram lá onde Judas perdeu as botas, no meio do sertão australiano. Os moradores dos povoados poeirentos da região deveriam ficar gratos por terem a chance de apreciar vozes tão lindas quanto as delas – e ainda por cima cantando country, o gênero preferido dos locais. Mas as irmãs são aborígenes, e a Austrália de 1968 é desavergonhadamente racista: a plateia dos bares caídos e concursos de talentos mixurucas em que elas se apresentam prefere ouvir brancas desafinadas a aborígenes harmoniosas. Numa dessas apresentações, a esnobada que o trio leva é tão grosseira que termina em confusão – e a confusão leva à oportunidade.

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Uma oportunidade meio duvidosa, é verdade: Dave, o tecladista que acompanhou as irmãs no recital desastrado, acha que elas podem ser sua chance de fazer algo melhor da vida, e propõe a elas tornar-se seu empresário. Com duas condições – elas têm de trocar o country pela soul music da Motown, que é a paixão de Dave e, conforme ele intui, a verdadeira vocação da voz delas; e elas têm também de topar entreter as tropas americanas em shows no Vietnã, porque na Austrália já está claro que elas não vão conseguir fazer carreira (as Forças Armadas americanas pagavam muito bem aos artistas que se dispusessem a fazer turnês pelo Sudeste Asiático). A pegadinha: Dave, cuja própria carreira vai tão mal das pernas, sabe lá alguma coisa de transformar outros em sucesso?

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Sim e não: interpretado pelo simpaticíssimo Chris O’Dowd (o policial que paquerava Kristen Wiig em Madrinhas de Casamento), Dave é um sonhador e um visionário. Sua decisão de juntar a prima Kay (que costuma se passar por branca) às três irmãs e transformá-las num quarteto de soul à moda das Supremes é acertadíssima. O repertório é um arraso – este é um daqueles filmes tão bons de ouvir quanto de ver – e as Sapphires são muito mais modernas e dinâmicas do que aquele trio tristinho que cantava no interior: Kay (Shari Shebbens), Cynthia (Miranda Tapsell), Julie (Jessica Mauboy), a voz principal do quarteto, e sobretudo a mandona Gail (a irresistível Deborah Mailman) têm uma presença de palco vulcânica, cantam horrores e se descobrem enquanto descobrem o mundo. No lado menos positivo da coisa, Dave não é nem um primor gerencial nem um grande administrador de egos, e tem uma relação, hmmmm, meio complicada com Gail.

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Para ser absolutamente sincera, o filme dá um ou outro escorregão no sentimentalismo. Mas quem se importa, quando o conjunto é assim tão vivo e esfuziante, o prazer da música é tão genuíno e o elenco é tão comprometido com os personagens? The Sapphires nasceu em 2004, como um musical para o teatro australiano: seu criador e roteirista, Tony Briggs, se inspirou na história real de sua mãe, e causou estrondo com sua montagem para o palco. Esta versão para o cinema tem, na direção do estreante Wayne Blair, o mesmo entusiasmo e exuberância. É uma espécie de Dreamgirls – mas infinitamente melhor.

MÚSICA DA ALMA
(The Sapphires)
Austrália, 2012
Direção: Wayne Blair
Com Deborah Mailman, Chris O’Dowd, Jessica Mauboy, Miranda Tapsell, Shari Shebbens, Lynette Narkle
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