Uma atriz (quase sempre) muito despachada
Não vou dizer que não fiquei decepcionada por Kate Winslet fazer aquele número de “ó meu Deus, estou tão surpresa, eu jamais imaginaria!” ao ganhar o Globo de Ouro de atriz coadjuvante por Steve Jobs, porque fiquei: é batido, e soa infantil e insincero. Ainda mais no caso de Kate, que sempre foi de uma honestidade muito salutar a respeito do próprio talento (e dedicação ao trabalho).
Espero que, caso ganhe o Oscar de coadjuvante em 28 de fevereiro, ela ponha esse número de lado – e, no momento, apesar do crescimento de Alicia Vikander, de A Garota Dinamarquesa, nas apostas, as chances de Kate são grandes. No papel de Joanna Hoffman, executiva de marketing da Apple e uma das presenças mais constantes na vida de Steve Jobs, ela tem um desempenho superlativo; não só está no ringue com Michael Fassbender durante quase toda a totalidade do filme, executando com brilho o “walk and talk” do roteirista Aaron Sorkin (os atores circulam sem parar enquanto trocam quantidades prodigiosas de diálogos dificílimos), como é também o contraponto emocional ao personagem de Fassbender. Joanna, curiosamente, não é uma figura muito evidente na biografia de Walter Isaacson que serve de ponto de partida ao filme: sua presença cresceu muito no roteiro a partir da pesquisa que o próprio Sorkin fez antes de começar a escrever.
Falei com Kate pelo telefone, bem antes de Steve Jobs estrear em circuito amplo nos Estados Unidos. E tenho o prazer de garantir que a Kate com que falei foi a Kate despachada e objetiva de costume.
Steve Jobs é o tipo de filme que atrai muita atenção. Mais do que o habitual, você diria?
Mais do que o habitual e muito mais do que eu esperava. Não há uma pessoa com quem eu converse que não me diga que mal pode esperar para ver o filme. Eu mesma já vi três vezes, o que nunca faço. Mal me interessa ver uma única vez um filme em que eu trabalhe. Mas com Steve Jobs fiquei besta todas as vezes: que magnífico ato de cinema – e eu estou nele!
É o tipo de coisa que se pode pressentir no set, durante a filmagem?
Não. Não dá para saber. Você só está lá todo dia, fazendo o seu trabalho, tentando se manter acordada durante aquelas horas que não terminam nunca. Dito isso, que o resultado é sempre imprevisível, foi uma experiência extremamente agradável fazer o filme – uma colaboração excelente, com aquele elenco de primeira. As sessões de ensaio com os outros atores, Danny Boyle e Aaron Sorkin estão entre as melhores horas que tive em toda a minha carreira. Fazíamos uma rodada de ensaios de vários dias, filmávamos em ordem cronológica aquela parte que fora ensaiada, e então a produção parava. Inteira. A equipe entrava em folga e ficava por uma ou duas semanas, enquanto ensaiávamos a próxima parte. Daí filmávamos, parávamos – e assim por diante. Eu nunca tinha trabalhado dessa maneira antes, e é simplesmente espetacular.
Qual é a responsabilidade mais aguda: a de Michael Fassbender em interpretar uma pessoa que todos conhecem, ou a sua, em interpretar uma pessoa que poucos conhecem e cuja imagem fica agora sempre associada ao seu desempenho?
A pressão sobre Michael foi infinitamente maior, não há dúvida. A começar pela notoriedade de Steve Jobs e pelo fato de que o roteiro de Aaron Sorkin é uma interpretação de Jobs, e em grande parte imaginada. E continuando pelo fato de que Michael não foi uma primeira escolha; o papel foi dado muito publicamente a outros atores (N.E.: por exemplo, Christian Bale) antes de ser entregue a ele. Michael teve de dar duro para provar que era o dono por direito do papel, e que tinha ideias muito específicas sobre como interpretá-lo. Na minha opinião, ele prova tudo que era preciso provar e muito mais. É um desempenho extraordinário, e não há nada de sorte ou acaso nele: é o fruto de trabalho duríssimo e compromisso intenso.
Que tal a experiência de fazer o célebre “walk and talk” de Aaron Sorkin?
É verdade que é uma quantidade imensa de diálogo comprimida em cada cena – mas qual é, esse é o trabalho de um ator, certo? Você decora as falas, se prepara. É para isso que você está lá. O desafio não é a quantidade de diálogo: e dizer tudo aquilo do jeito certo e atuar enquanto você anda. Várias coisas em que pensar ao mesmo tempo. Por isso aquelas rodadas de ensaios foram tão importantes: você repete, repete, repete e repete cada cena até elas saírem naturalmente.
Com A Rede Social, eu achava que Aaron Sorkin e David Fincher eram um par feito nas estrelas. Mas agora acho que Danny Boyle e Aaron formam um par ainda mais afinado.
Não vou comparar ninguém com ninguém, mas o que eu posso afirmar é que trabalhar com Danny é sensacional. Ele é o cara mais positivo, mais cheio de energia e mais entusiasmado – e entusiasmador – que se possa imaginar. Nunca Danny chega para você e diz: “Minha ideia é melhor do que a sua”, e nunca ele diz que sua cena ficou uma droga, mesmo quando obviamente ficou. Ele simplesmente cria uma oportunidade de as coisas acontecerem do jeito certo.
Você teve vários encontros com Joanna Hoffmann antes de começar a filmar, não é?
Sim, em várias ocasiões, e por várias horas. Ela é uma mulher encantadora: inteligente, engraçada, extremamente gentil. Ela fala de Steve Jobs sempre com muito amor e afeição, e com uma lealdade tremenda. Essa foi uma das coisas mais interessantes do processo de preparação para o filme – todas essas pessoas que rodearam Jobs continuam absolutamente leais a ele. Não há ninguém que tenha perdido a crença no que Jobs representava, nas ideias dele, na visão dele.
Um dos propósitos do roteiro de Steve Jobs é decantar tudo até a essência, então esta pode ser uma impressão errônea – mas fica, sim, a impressão de que em certos períodos Joanna foi a totalidade da vida emocional de Jobs. Confere?
Não é uma impressão inteiramente correta. Em todos os nossos encontros, Joanna e eu tínhamos o cuidado de nos referir a “Joanna”, a personagem, na terceira pessoa, porque as interações entre Joanna e Steve, no filme, são imaginadas: a rigor, é uma peça de teatro. Tentamos ser fiéis ao máximo ao espírito da amizade entre eles, mas havia várias outras pessoas que, mesmo nesses períodos, tinham um papel fundamental na vida de Jobs. Quando eu falei para ela que alguns colegas a definiam como a “esposa de trabalho” de Jobs, uma expressão que aliás usamos no filme, ela morreu de rir: “Mas eu sou tão avoada e desligada, como é que eu poderia ser a ‘esposa de trabalho’ de alguém?”, ela disse. É um fato, porém: Joanna foi indispensável a ele. Joanna cresceu no Leste Europeu comunista e só foi para os Estados Unidos na adolescência. Quando você tem uma experiência de vida como essa, não só se torna uma pessoa mais forte e independente como também menos suscetível a trivialidades.
Um dos poucos registros que achei de Joanna é uma entrevista dela nos anos 80 explicando a interface do Mac…
Sei qual é. Vi essa entrevista algumas dezenas de vezes.
O interessante é que embora você seja fisicamente muito diferente de Joanna, os aspectos que mais me chamaram a atenção nela estão todos na sua atuação: a maneira como ela se engaja por inteiro com os interlocutores, o jeito caloroso, a habilidade de estar completamente dentro do momento que está acontecendo. Você até pisca os olhos como ela.
Essas são de fato as qualidades que sobressaem em Joanna, e eu tentei ao máximo captá-las e incorporá-las. Até porque é verdade, apesar dos esforços do pessoal do cabelo e do figurino, ela e eu não somos muito parecidas. Mas ela é uma pessoa verdadeiramente excepcional, e sempre foi essa a ideia, de que se eu conseguisse retratá-la não era importante que eu me parecesse com ela.