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Demon

Por Isabela Boscov Atualizado em 30 jul 2020, 22h43 - Publicado em 13 Maio 2016, 19h55

Um noivo desenterra o passado, e é possuído por ele durante sua festa de casamento: assistir a este filme polonês é como cair dentro de um turbilhão

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Certa vez escorreguei numa poça de óleo, e não há nada que se pareça com isso: um tombo que normalmente seria abrupto vira uma coreografia lenta, durante a qual seus braços e suas pernas tentam recuperar um equilíbrio que seu cérebro já percebeu ser impossível; você antevê o chão, e o seu estatelamento, muito antes de eles chegarem – e é incapaz de evitar que eles cheguem. Essa é a maneira mais próxima que tenho de descrever a sensação de assistir a Demon: desde que a câmera do diretor Marcin Wrona começa a revelar as paisagens ora aplainadas, ora escavadas ao redor da cidadezinha polonesa que é o destino do protagonista Piotr (Itay Tiran), sente-se que ele vai deslizar para dentro de algo que não o quer e que ele não compreende – mas vai, sim, ser irremediavelmente tragado.

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Piotr é polonês de origem, mas foi criado em Londres. Fala mal a língua, mas quer falar nela. Seu futuro sogro (Andrzej Grabowski), dono de uma pedreira, dirige a ele um inglês condescendente, chama-o de “Peter” e, pelas costas, já começa a ridicularizar o noivo que sua filha Zaneta (Agnieszka Zulewska) arrumou. Piotr, porém, terá de ser engolido: ele e Zaneta se casarão naquela mesma noite, em uma festa de arromba no celeiro que fica logo ao lado da casa que Zaneta herdou do avô, e na qual o jovem casal vai morar. Com algumas horas livres pela frente e uma escavadeira à disposição, Piotr se entretém limpando o terreno em frente à casa, com a ideia de futuramente fazer ali uma piscina. A escavadeira engasga; Piotr vai ver qual o problema, e descobre que desenterrou uma ossada humana.

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Nesse ponto se abre o vórtice que é Demon: Piotr quer falar da ossada com todo mundo que encontra, e todo mundo só quer que ele cale a boca; a cova será reaberta e então vigorosamente tapada de novo pelo menos uma meia dúzia de vezes – e, à medida que a festa começa e daí pega embalo, regada a quantidades ciclópicas de vodca, Piotr mais e mais sente que algo estranho está acontecendo com ele: ele vê, caminhando entre as mesas, uma segunda noiva além de Zaneta. A toda hora percebe que as mãos estão sujas de terra, sem saber como as sujou. A noiva desconhecida o arrasta para o centro do salão, e rodopia loucamente com ele. Piotr convulsiona, e o médico bêbado acha que ele teve um ataque epiléptico. E então Piotr arranca a roupa e se transforma.

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A coisa toda é uma mistura doida de humor, horror, farsa e drama, como se o filme estivesse ele próprio tão embriagado quantos os convidados. Mas, sob essa embriaguez eximiamente filmada por Marcin Wrona (que, tragicamente, morreu aos 42 anos, durante um festival na Polônia em que estava lançando Demon) e acentuada pela música de Marcin Macuk e do grande Krzysztof Penderecki, é cristalina a fúria do diretor com a insistência dos poloneses em enterrar seu passado, e dar-lhe com uma pá na cabeça de novo e de novo sempre que ele pense em despontar. Não é por coincidência que a história se passa em algum lugar da região da Silésia, onde funcionou Auschwitz. E também não é acaso, claro, que um dybbuk se tenha apossado do corpo de Piotr. No folclore judeu, o dybbuk é um espírito perverso, ou às vezes apenas inquieto, que se cola a uma pessoa viva de forma a atormentar, ou realizar uma vingança, ou extrair uma reparação – e este dibbuk finalmente encontrou sua chance na figura de um estranho, alguém que veio de fora e desconhece o código de silêncio em que as gerações polonesas seguintes se fecharam. Wrona, porém, era um realista. Quando a obstinação em enterrar o passado é assim tão férrea e consensual, não há fantasma que seja capaz de furar o seu cerco.


Trailer

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DEMON
Polônia/Israel, 2015
Direção: Marcin Wrona
Com Itay Tiran, Agnieszka Zulewska, Andrzej Grabowski, Tomasz Zietek, Thomasz Schuchardt, Wlodzimierz Press, Maria Debska
Distribuição: Supo Mungam

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