Meia mozzarella, meia calabresa.
Fui cheia de curiosidade conferir American Ultra: quando a distribuidora inventa um desses subtítulos nacionais que parecem bolados para apanhar desavisados, em geral é sinal de que o marketing não sabe o que fazer com o filme – o que eu interpreto como indicativo de possíveis boas surpresas.
Se é para um surpresa ser uma surpresa, eu levo a coisa ao pé da letra, e não leio nem sinopse do filme antes de vê-lo. Mas, neste caso, havia vários outros indicativos de que o saldo poderia ser positivo: primeiro, Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Walton Goggins e Connie Britton no elenco. Sou uma apreciadora do Jesse Eisenberg desde que ele apareceu, em A Lula e a Baleia, e ainda não era “o” Jesse Eisenberg. Para minha surpresa, deixei no passado distante meu desgosto com a cara de amora azeda que a Kristen Stewart fazia na saga Crepúsculo, e ultimamente tenho gostado muito dela: acho que ela deu um banho na Julianne Moore em Alice e outro na Juliette Binoche em Acima das Nuvens.
Walton Goggins dispensa apresentações para quem viu o trabalho sensacional dele nas séries The Shield e/ou Justified, ou para quem vai vê-lo em Os Oit8 Odiad8s, do Tarantino, em janeiro. E a Connie Britton é uma dessas atrizes que estão para bater nos 50 anos mantendo a cara de gente (e de boa gente) – todo meu respeito. Além disso, a direção é do Nima Nourizadeh, que fez de Projeto X: Uma Festa Fora de Controle algo bem mais sólido e original do que a premissa anunciava. E o roteiro é de Max Landis, que escreveu Poder Sem Limites. (Pois é, por coindicidência ele escreveu também Victor Frankenstein, que acaba de entrar em cartaz, mas esse eu ainda não havia visto, e não sabia quanto ele é capaz de meter os pés pelas mãos.)
Então, ao filme: Eisenberg é Mike, um sujeito que passa todas as horas do dia e da noite chapado, é balconista numa loja de conveniência que não tem fregueses, mora numa casa com décor de invasão urbana e parece perfeitamente feliz com esse estado de coisas – exceto pelo fato de que ele gostaria de levar sua namorada, Phoebe (Kristen), para uma semana de férias no Havaí, mas a simples ideia de sair da cidadezinha parada em que eles moram na Virgínia Ocidental provoca nele ataques de pânico incontroláveis. Uma noite, porém, dois sujeitos fortemente trienados e armados tentam matar Mike à saída da loja de conveniência. E Mike, que estava distraído, tomando uma sopa, estraçalha os dois. Justificativa do comandante da operação para seu superior: “Mas senhor, não havia como resistir: ele tinha uma colher!”.
Ou seja: numa brincadeira com a série Bourne que começa muito bem, Mike foi treinado em um projeto ultra-secreto para formar super-agentes e teve sua memória apagada quando o projeto foi desativado – mas, à menor provocação, entre em modo de ataque novamente, sem nem saber como o faz. Topher Grace, o novo burocrata/imbecil da CIA, quer destruir todas as pistas do projeto, e manda o agente ensandecido (literalmente) Walton Goggins atrás de Mike; e Connie Britton, que foi a criadora de Mike na agência, quer salvá-lo. Phoebe é a incógnita aí. Kristen dá a ela uma interpretação delicada, da mulher que, não obstante as muitas limitações do namorado, se mantém leal a ele – e é a sua melancolia, principalmente, que puxa American Ultra para um lado mais reflexivo. Não é o desempenho dela que está fora de lugar: parte de Nima Nourizadeh e Max Landis a tentativa de fazer um híbrido, algo meio paródia, meio drama indie com sensibilidade de quadrinho underground. Não é fácil caminhar no fio dessa navalha. Puxando aqui pela memória, me lembro de apenas um diretor que foi totalmente bem-sucedido nessa manobra difícil – o Terry Zwigoff de Ghost World – Aprendendo a Viver (2001) e Papai Noel às Avessas (2003). Infelizmente, Nourizadeh e Landis caem no outro lado da estatística, o do Ghost Dog (1999) de Jim Jarmusch. American Ultra é um desastre? Não, de forma nenhuma. Mas deixa aquela sensação de que, na hora que você chegou à mesa, já tinham comido toda a pizza de calabresa, e você ficou só com a de mozzarella.
Trailer
AMERICAN ULTRA – ARMADOS E ALUCINADOS(American Ultra)Estados Unidos/Suíça, 2015Direção: Nima NourizadehCom Jesse Eisenberg, Jristen Stewart, Connie Britton, Walton Goggins, Topher Grace, John Leguizamo, Bill PullmanDistribuição: Paris Filmes