Paes x Beltrame: o que está por trás da briga sobre a insegurança do Rio de Janeiro
Prefeito irritado é um poeta
Ao declarar à CNN que o estado do Rio de Janeiro está fazendo um “trabalho terrível na área de segurança” e que “o governo está falhando completamente em seu trabalho de policiar e cuidar das pessoas”, o prefeito da cidade olímpica, Eduardo Paes, toma pelo menos quatro atitudes ao mesmo tempo:
1) Constata uma realidade patente, vivida pela população fluminense no dia a dia, independentemente da proximidade das Olimpíadas;
2) Reage às últimas notícias que repercutiram mal mundo afora, incluindo assalto a atleta paraolímpico, roubo de equipamentos de uma TV alemã, quatro arrastões em um só fim de semana, resgate de um traficante de dentro do Hospital Souza Aguiar, assassinato de uma médica na Linha Vermelha e a morte de um PM que reagiu a um assalto na Pavuna (e que fazia a própria segurança de Paes);
3) Exime-se mundialmente da responsabilidade que, como prefeito, de fato não tem sobre a segurança pública do Rio, que compete ao estado;
4) Detona o secretário de segurança José Mariano Beltrame, com quem troca farpas há mais de um ano (muito mais que o governador em exercício Francisco Dornelles, que só assumiu recentemente).
Paes sabe que Beltrame é um farsante que coloca a culpa em tudo e todos para não assumir as próprias responsabilidades pelo fracasso (anunciado!) de seu programa de “pacificação”, exaltado pela imprensa deslumbrada após as primeiras ocupações policiais de favelas sem a necessária prisão dos bandidos.
O fator que mais revolta o prefeito é o secretário atribuir problemas de criminalidade à falta de investimento “social” nas “comunidades”, inclusive por parte da Prefeitura.
“Não se deu a cirurgia social, de cidadania e urbanística que eu entendia que tinha que dar”, disse Beltrame em recente entrevista ao El País. “A Prefeitura, o Estado, o Governo federal, tudo mundo falhou aí… Enquanto lá dentro não tiver escola de qualidade, não tiver dignidade para a população, enquanto o dono da casa não consiga deixar o carro na garagem e tenha que deixa-lo a três quilômetros, enquanto não consiga ter uma rua com iluminação pública decente… [nada vai mudar].”
Paes pode ter uma porção de defeitos e decerto já cometeu vários erros em sua vida pública – como se tornar (e confessar-se) um “soldado” de Lula –, mas, contra esse discurso de sociólogo de esquerda de Beltrame, não é de hoje que ele tem 100% de razão. Este blog apresenta alguns motivos e exemplos:
1) Beltrame ofende os pobres honestos que constituem a maioria das “comunidades” a cada vez que legitima moralmente o crime por parte dos pobres com a justificativa da ausência do Estado. Quem leva “dignidade para a população” são essencialmente os pais e/ou o trabalho; o estado tem é de levar polícia para protegê-la.
2) A Prefeitura do Rio destinou R$ 2,1 bilhões de investimentos às 30 “comunidades” ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) para melhorar os serviços de conservação urbana, limpeza e coleta de lixo e de iluminação pública.
Paes fez a parte dele neste sentido, mas o óbvio ainda precisa ser dito: a prefeitura, para atuar nessas áreas, depende de que o estado crie uma situação de paz – e não o contrário. Onde a polícia não entra nem garante segurança, não são funcionários de secretarias e órgãos municipais que vão entrar.
3) Praticamente todos os condomínios do Minha Casa Minha Vida no Rio de Janeiro foram tomados por traficantes de drogas. Isto significa que investimento social sem segurança pública eficiente vira presente para bandidos, que, no caso de conjuntos habitacionais, expulsam ou cobram taxas dos moradores comuns.
Em São Gonçalo, por exemplo, o subtenente Cláudio Souza dos Santos, de 53 anos, foi assassinado em maio pelos traficantes que ocuparam o Minha Casa Minha Vida. Só um mês depois a polícia prendeu 10 bandidos em ação que constituiu apenas a primeira etapa para desmantelar o tráfico local.
4) Quando câmeras de vigilância flagraram criminosos armados de fuzis e pistolas caminhando dentro da maior estação de trem do Rio, a Central do Brasil – onde fica o prédio em que funciona a própria Secretaria de Segurança do estado –, Beltrame chegou ao cúmulo de culpar a falta de muro na Supervia:
“O problema não é só da polícia, é de ordenamento urbano. Não é preciso o secretário de Segurança ir ao local para mandar fechar uma passagem da Supervia, por onde os bandidos passam, como o que aconteceu na Linha Amarela. Não se surpreendam se, numa verdadeira esculhambação urbanística que é o Rio de Janeiro, neste momento não tenha alguém de fuzil em alguma linha do trem.”
Ainda que fechar a tal passagem possa ser recomendável, convém notar o que Beltrame omite: os bandidos identificados no vídeo são do Morro da Providência, que conta com UPP desde abril de 2010 e, portanto, já deveria estar pacificado há seis anos!
Não é culpa do “ordenamento urbano” que ainda haja bandidos armados na Providência, nem que o sargento André Luís Vaz Nonato, de 40 anos, tenha sido morto em maio, durante uma operação do Bope por lá. A “verdadeira esculhambação” é a da segurança pública comandada há uma década por Beltrame.
5) Quanto às escolas, relembro as declarações certeiras dadas por Paes em abril de 2015, quando o atrito com o secretário se agravou:
a) “Não parou nenhum serviço da prefeitura no Alemão. As clínicas estão funcionando. São oito no Alemão e na Penha. As escolas estão funcionando. O Eduardo (menino de 10 anos assassinado) estudava lá numa delas. Portanto, ele estava sendo atendido pelo poder público. Não é por ausência de escolas, clínicas da família que o Alemão está desse jeito. Nem por falta de pavimento. Olha as imagens que você vai ver. É o paraíso? É o Leblon? Não! Mas os serviços estão sendo prestados. Essa questão da violência, a maior parte é questão de segurança pública. Não é uma Clínica da Família que vai resolver a criminalidade do Rio de Janeiro.”
b) “Primeiro, minha obrigação é fazer posto de saúde, creche, escola, cuidar do pavimento e que a Comlurb preste seu serviço. E isso tudo a gente faz… Não é a Prefeitura que tem a obrigação de ficar construindo sede de UPP. Continuamos dispostos a ajudar, mas se cada um cumprir com sua obrigação fica melhor.”
Como comentei na ocasião:
Paes irritado é um poeta.
* Relembre também aqui no blog:
– Bandidos se divertem no Rio e secretário de segurança culpa população. Vá pastar, Beltrame!
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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