Cúmulo da vigarice é golpismo em dia de tragédia
Investigados tentam frear Lava Jato com substitutivo do relatório de Onyx Lorenzoni
No fatídico dia em que a queda de um avião com a delegação da Chapecoense resulta em mais de 70 mortos e o presidente Michel Temer decreta luto oficial, parlamentares citados na Lava Jato e seus aliados tentam emplacar mais um golpe contra esta e outras operações aclamadas pelo povo brasileiro.
É o cúmulo da vigarice. Não que antes já não fosse.
Primeiro, vamos contextualizar o noticiário desta terça-feira (29) com minhas tuitadas de domingo e segunda (e outra do dia 23):
– Rodrigo Maia e Renan Calheiros se fazem de sonsos sobre inexistência de anistia e emenda, mas pressão da imprensa e das redes sociais freou o golpe na Câmara, crise agravou com caso Geddel e agora tentam contornar.
– Com promessa de Temer de vetar anistia geral, um dos jeitos para a banda podre do Congresso é incluir nas 10 medidas item para enquadrar juízes e membros do MP. Podridão sem fim.
– Banda podre do Congresso guardou rancor de Onyx Lorenzoni (DEM-RS) por relator das 10 medidas ter ficado ao lado do povo e da Lava Jato. Agora tenta escanteá-lo.
– É muito difícil entender que é possível embutir pegadinhas num texto de emenda ou lei, para além do que publicamente se alega como objetivo?
– “Ah, mas juízes e promotores não são intocáveis!” Nem por isso vamos atar suas mãos em nome da suposta luta contra “abuso de autoridade”.
– Recordar é viver: “Com frequência…”
Pois bem.
Este blog também havia afirmado que o fim de frear a Lava Jato era o mesmo, só mudavam os meios.
Na manhã desta terça, o procurador Deltan Dallagnol alertou no Facebook (AQUI) contra as pegadinhas (que ele chama de jabutis) do substitutivo (ao relatório de Lorenzoni) a ser apresentado pela banda podre (incluindo deputados do próprio DEM) no plenário da Câmara durante a sessão de votação das 10 medidas.
O primeiro vai exatamente na linha do que apontei no vídeo “O golpe da anistia explicado” quando a tentativa era incluir apenas uma emenda:
“JABUTI 1 – CAIXA 2: ao mesmo tempo em que é piorada a redação do novo crime de caixa dois, aparece um parágrafo único que tem uma redação perigosa. Ele trata de ‘caixa 2′ de ‘origem ilícita’. Isso pode ser usado para argumentar na Justiça que PROPINA recebida e usada para fins eleitorais, de modo oculto, não enseja o crime de lavagem de dinheiro, mas sim um crime com pena muito menor, o de ‘caixa 2′.
Essa foi justamente a tese da defesa no Mensalão, a de que não se tratava de corrupção ou lavagem, mas sim de crime de caixa 2. Mudanças da lei penal que favorecem o réu valem para trás. Esse é o mesmo pano de fundo da discussão da anistia: formas de diminuir ou isentar penas por graves crimes praticados. Sei que há argumentos aqui para discordar dessas alegações que réus poderiam usar, mas ‘gato escaldado tem medo de água fria’. Prefiro buscar a segurança de não ter de enfrentar desnecessariamente esses argumentos e os riscos inerentes ao longo das diversas instâncias judiciais.”
Como queríamos demonstrar.
Deltan também explica um por um outros 5 jabutis (prazo para investigar políticos, risco de retaliações e perseguições, cerceamento do controle popular, lei da intimidação 1 e 2) e ainda aponta que “o substitutivo DETONA as 10 medidas da sociedade”, desfigurando-as.
“Por fim, concordamos com o aperfeiçoamento da lei de abuso de autoridade, contudo com ampla discussão social e com uma redação que não dê espaço para o cerceamento da atividade legítima de investigação, processamento e julgamento de crimes”, escreveu o procurador, também avesso a pegadinhas.
À tarde, a guerra se deflagrou com a divulgação do substitutivo, que pode ser lido na íntegra AQUI.
Membros de todos os grandes partidos participaram da elaboração do texto, que confirma a maior parte das preocupações de Deltan, tanto em relação às medidas excluídas quanto às incluídas.
Destaco dois entre os comentários prévios de Deltan que permanecem válidos:
“JABUTI 5 – LEI DA INTIMIDAÇÃO: cria-se crime de responsabilidade de magistrados e membros do Ministério Público, na forma de impeachment (coisa a que nem deputados e senadores estão sujeitos, salvo os presidentes). Um dos crimes, por exemplo, é faltar com o decoro, algo que poderia ser uma simples discussão acalorada numa causa (recentemente, um ministro do STF acusou outro exatamente de faltar com o decoro em meio ao debate). Agora, o pior é que estará nas mãos do investigado processar o investigador. Isso tornará a atividade de investigação e combate à corrupção de poderosos um inferno. É a lei da intimidação.
JABUTI 6 – LEI DA INTIMIDAÇÃO PARTE 2: novamente para intimidar a ação do Ministério Público, torna-se crime a propositura pelo Ministério Público de ação contra um agente público (e não contra cidadão, por que será a diferença?) de “maneira temerária”, com obrigação de indenização por danos materiais, morais e à imagem. Além de isso não ter nada a ver com o pacote anticorrupção, qual o problema disso? O problema é que o nível de exigência de provas para propor uma ação é menor do que o nível para condenar. Por isso, é natural que haja absolvições. A cada absolvição, haverá discussões sobre ser ou não “temerária” a ação. E caso se comprove cabalmente ao longo da ação que o Ministério Público estava errado, a ação foi temerária? E se havia diligências possíveis, mas improváveis, e não foram feitas, a ação foi temerária? Pesquisas no âmbito da epistemologia mostram que sempre é possível pesquisar a realidade mais e que nunca o conhecimento é definitivo. A discussão sobre limites de temeridade, quando ações envolvem poderosos, intimidará a atuação legítima de promotores e procuradores. Seria parecido com punir juízes que “prendem ilegalmente”, simplesmente porque o Tribunal decidiu soltar o ré. Concordo que essa matéria pode ser discutida e merece melhor reflexão, com ampla participação da sociedade e possível aperfeiçoamento da redação, mas não nos 50 minutos do segundo tempo e com um “substitutivo surpresa”, ainda mais no âmbito de um pacote anticorrupção.
A intenção desses últimos JABUTIS é nitidamente intimidar a ação do Ministério Público, o que está dando a entender uma fixação em retaliar. A questão é: qual a ação do Ministério Público ou do Judiciário que mostra que há urgência em reprimir comportamentos especificamente de promotores e juízes? É o combate à corrupção? Se for isso, esses JABUTIS contrabandeiam para as propostas uma série de medidas pró-corrupção.”
Repito: é o cúmulo da vigarice.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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