Em 25 de janeiro de 1999, a Folha de S. Paulo publicou a matéria “Goldman Sachs recomenda privatizar Petrobrás, CEF e BB“.
O banco de investimentos de Nova York considerava a privatização das três estatais uma “medida de grande impacto” para o restabelecimento da confiança internacional no Brasil.
“É um passo difícil”, dizia o relatório. “Mas o governo brasileiro tem duas opções para enfrentar a crise: ou aceita desafios e toma medidas audaciosas ou sucumbe.”
O governo do sociólogo de esquerda da USP Fernando Henrique Cardozo privatizou a Telebrás e a Vale do Rio Doce, mas, a despeito do aviso do Goldman Sachs, não tomou as medidas audaciosas de privatizar a Petrobras, nem a Caixa Econômica Federal, nem o Banco do Brasil.
Em carta de 1995 para o então presidente do Senado, José Sarney, FHC já havia informado que proporia ao Congresso Nacional que “a Petrobras não seja passível de privatização”.
Na disputa presidencial de 2010 entre José Serra e Dilma Rousseff, a carta de FHC ainda foi usada pelos tucanos na tentativa de desmentir as acusações do PT de que o PSDB queria privatizar a maior estatal brasileira.
Em nota, FHC escreveu:
“Foi durante meu governo que a Petrobras se tornou uma companhia de expressão internacional, assim como no mesmo período criamos a ANP. Os contratos de concessão feitos por esta última, as reservas de área mantidas pela Petrobras e as associações entre esta empresa e várias companhias, brasileiras e estrangeiras, foram responsáveis pelos sucessos que continuam a ocorrer, como a descoberta do Tupi e do pré-sal, em área licitada no ano 2000. Tenho, portanto, orgulho pela obra da Petrobras, sendo de recordar que participei ativamente da campanha do ‘Petróleo é nosso’, capitaneada por alguns generais da minha família, entre os quais meu pai. Fui mesmo tesoureiro de um dos núcleos daquela campanha, o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, em São Paulo, motivo de um dos processos movidos contra mim em 1964.
Quando do debate sobre a quebra do monopólio do petróleo e da transferência para as mãos da União do controle do subsolo, em carta ao Senado da República, explicitei meu ponto de vista contrário à privatização da Petrobras. Por isso mesmo, repugna-me ver a utilização de argumentos de má fé, atribuindo ao PSDB a intenção de privatizar a Petrobras, quando o partido, como qualquer brasileiro decente, deseja apenas saber se há ou não deslizes graves na administração da companhia. Se os há, que sejam apurados, e os responsáveis punidos. Se não, melhor. Em qualquer caso, o que não convém é a continuidade de suspeitas, essas sim, danosas à empresa e a seu valor de mercado.”
Serra, claro, perdeu a disputa; e o PT fez o que sabe fazer melhor: usou o Estado brasileiro a serviço de seu projeto criminoso de poder.
Resultados:
1) O PT institucionalizou na Petrobras o maior esquema de corrupção da história do Brasil, levando a dívida bruta da companhia a atingir o nível recorde de 506,5 bilhões de reais em 2015, ano em que a estatal teve um prejuízo de quase 35 bilhões de reais.
2) Fábio Cleto, ex-vice-presidente da Caixa indicado pelo PMDB do Rio de Janeiro, declarou à força-tarefa da Operação Lava-Jato que o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cobrava propina das empresas interessadas em obter recursos do FI-FGTS, um fundo de investimentos em infraestrutura administrado pela Caixa. Em cada contrato, segundo Cleto, Cunha embolsava entre 0,3% e 1% do valor total; e cabia ao doleiro Lúcio Bolonha Funaro participar da coleta da comissão.
Funaro já afirmou a interlocutores ter recebido 100 milhões de reais de empresas com contratos públicos e que boa parte desse dinheiro foi transferida, a mando de Cunha, a caciques do PMDB e deputados do chamado “centrão”, o que explicaria a eleição de Cunha para o comando da Casa. Funaro garante ter gravado em vídeo encontros com empresários e parlamentares que visitaram seu escritório em São Paulo para discutir os valores dos contratos e das respectivas propinas.
3) O Banco do Brasil e a Caixa foram instrumentalizados pelo governo de Dilma Rousseff com as chamadas “pedaladas fiscais” – o uso de dinheiro dos bancos federais para o pagamento de programas de responsabilidade do Tesouro Nacional com o propósito deliberado de maquiar a penúria das contas públicas em período eleitoral. A repetição desse expediente fraudulento em 2015, tamanho era o rombo deixado no mandato anterior, embasou o processo de impeachment contra a petista, acusada de ter cometido crimes de responsabilidade.
Apesar de tudo…
O presidente Michel Temer avalia a possibilidade de privatizar os aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), mas declarou em entrevistas à VEJA e à Folha que a Petrobras está blindada contra esse processo por estar ligada “à ideia de nacionalidade, patriotismo”.
“A Petrobras não dá, tem uma simbologia muito grande.”
Pedro Parente, que assumiu a presidência da estatal no governo Temer, também disse ao jornal que o Brasil não está pronto para vendê-la:
“De jeito nenhum. Quero deixar clara a minha opinião, eu não acho que a sociedade brasileira esteja madura para sequer discutir, isto sim é dogma, a privatização da Petrobras. Eu acho que o trabalho que a gente tem de fazer é transformar a Petrobras de volta na maior empresa brasileira”.
Ele também defendeu a tese de que só 20 ou 30 dirigentes da estatal participaram da roubalheira:
“Não é da sua equipe, é de uma minúscula minoria. Em um grupo de 80 mil indivíduos, 20, 30 são desonestos. O problema é fazer deliberadamente a escolha desses desonestos para liderar a empresa. Eles foram escolhidos com essa intencionalidade”.
Questionado se o Palácio do Planalto (então ocupado pelo PT) comandou o saque nomeando esses “indivíduos desonestos”, Pedro Parente amarelou para dar nome aos bois:
“Sem comentários”.
É verdade que…
A interinidade de Temer o impede de partir para medidas mais polêmicas, como a reforma da previdência e o eventual aumento de impostos, mas, ao contrário destas, a privatização da Petrobras já está descartada de antemão pelo governo e, ainda que a roubalheira diminua ou cesse sob a gestão de Parente e o cerco da Lava Jato, nada garante que, dada a ingerência política permanente, uma próxima gestão não seja tão ou mais fraudulenta que a do PT (especialmente se o PT voltar ao poder).
Como escrevi na “Carta aberta de introdução ao Brasil“:
“(…) A Petrobras foi criada em 1953 após a forte campanha nacionalista ‘O petróleo é nosso’. Cinquenta anos depois, o PT usou essa bandeira e chegou ao poder acusando o governo de Fernando Henrique Cardoso de dilapidar o patrimônio público, exatamente o que o PT acabou fazendo com o esquema de corrupção da Petrobras.
(…) A retórica do PT contra as privatizações e a falta de convicção do Partido da Social Democracia Brasileira (o PSDB de Cardoso) sobre a liberdade de mercado para defendê-las criaram o mito de que privatização é uma perda nacional, não um ganho em qualidade de serviços, arrecadação de impostos e desenvolvimento.
Cardoso e Temer recorreram a privatizações para fazer caixa em tempos de crise, não por princípio intelectual nem diretriz partidária. Tanto que Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB derrotado por Lula nas eleições de 2006, vestiu um casaco com os símbolos das estatais para provar que não era ‘privatista’, como o PT o acusava.
(…) Enquanto a direita democrática não se fortalece politicamente, a preocupação em diminuir o Estado só vem à tona quando a corrupção gerada pelo seu inchaço já tratou de engessar o país e de sobrecarregar a população trabalhadora com novos impostos. (…)”
Em resumo: ou o Brasil começa a romper com dogmas petistas e tucanos, ou, de um modo ou de outro, continuará sucumbindo.
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil
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