Com cruz na mão e batina de padre, um ator decadente aposta no papel de exorcista para reacender sua carreira. A descrição não se refere ao neozelandês Russell Crowe, e sim ao personagem que ele vive em O Exorcismo. Mas se aplicaria facilmente ao próprio: o filme que acaba de chegar aos cinemas é sua segunda passagem infeliz pelo horror em pouco mais de um ano. Na anterior, O Exorcista do Papa, Crowe representava com canastrice assombrosa a figura real de Gabriele Amorth — que dizia ter expulsado o demônio de ao menos 60 000 corpos. Círculo do inferno ainda mais baixo que o anterior, O Exorcismo comprova a implacável gangorra do prestígio em Hollywood: antes um dos nomes mais cobiçados da indústria, Crowe, de 60 anos, amarga agora um melancólico lugar na lista B.
O Último Exorcista – Gabriele Amorth
O lançamento não deixa dúvidas: o ator que ganhou o Oscar em 2001 pelo arrasa-quarteirão Gladiador e enfileirou indicações por trabalhos notáveis como O Informante e Uma Mente Brilhante hoje é uma sombra dos dias de glória. Ao atingir seu aparente fundo do poço, ele repete a sina da ascensão e queda de grandes astros masculinos. Após chegar ao ápice, Robert De Niro e Al Pacino foram relegados a comédias medíocres por anos — mas sua devida estatura acabou prevalecendo e os manteve à tona. O caso exemplar mais recente é o de Nicolas Cage: com fracassos acumulados nas telas e uma dívida pessoal milionária, o ator adotou nos últimos anos uma nova tática para dar a volta por cima: em filmes como Renfield, ele se mostrou capaz de rir de si mesmo. Agora, transforma sua estranha forma de mediocridade em trunfo até no horror, como vilão do elogiado Longlegs — Vínculo Mortal, que estreia no país em 29 de agosto.
De Mickey Rourke a Stallone ou Brendan Fraser, antigos heróis provaram ser possível a ressurreição em Hollywood — até com direito a um Oscar após a decadência. Mas talvez não seja tão simples para Crowe. O astro estabeleceu uma reputação difícil nos bastidores. Em 2005, o notório pavio curto lhe rendeu um processo por arremessar um telefone em um funcionário de hotel. Em 2016, foi acusado pela rapper Azealia Banks de agressão e racismo. Mais recentemente, o falido Crowe recorreu a um leilão para custear seu divórcio. Desde então, tem se esquivado de polêmicas — mas faz questão de errar feio. De uma década para cá, seu filme menos vexaminoso foi Noé (2014), ainda assim, um pecado cinematográfico. O Exorcismo dá mostras de que o astro, além de tudo, insiste em se levar a sério: a história do ex-ator alcoólatra convertido em caçador de demônios tem um tom grave, pomposo — e enfadonho. A descida ao inferno parece não ter fim.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904