‘Flee’: animação expõe drama de refugiados mais que mil imagens reais
Longa ilumina a experiência de milhões de pessoas forçadas a deixar seu país
Jonas Poher Rasmussen tinha 15 anos quando viu Amin no trem que os levava para a escola, no interior da Dinamarca. Cabisbaixo, o solitário garoto afegão suscitava rumores diversos, como o de que teria cruzado a pé os mais de 7 000 quilômetros entre Cabul e Copenhague nos anos 1980. Duas décadas depois, Rasmussen, agora um documentarista, convenceu o amigo estrangeiro a contar sua verdadeira história. Amin aceitou, desde que sua identidade fosse preservada. Nascia assim Flee — Nenhum Lugar para Chamar de Lar, um peculiar e belíssimo documentário animado, que chega aos cinemas brasileiros após receber três indicações ao Oscar.
Sob o escudo da animação e com um nome fictício, mas com sua voz verdadeira, Amin revê, entre momentos ternos e até cômicos, as lembranças de um passado caótico. Caçula de uma família de cinco filhos, ele narra a infância em Cabul, das brincadeiras com as roupas das irmãs e do cafuné da mãe até o pôster de Jean-Claude Van Damme no seu quarto — seu primeiro crush, quando nem conhecia a palavra “homossexual”. O clima caloroso fica sombrio quando o pai de Amin, um militar e piloto de avião, é preso pelos soviéticos que ocuparam o Afeganistão. O cenário tenebroso provoca a ascensão dos mujahedins — que, ao tomar o país, espalham o terror do fundamentalismo islâmico.
Assustados, Amin e a família fogem para Moscou, onde encontram mais sofrimento. Ao longo de anos, eles planejam outra fuga, para a Suécia, onde o irmão mais velho vive. À mercê de traficantes e da inescapável separação entre os membros da família, instaura-se uma dolorosa via-crúcis — uma experiência particular que reflete os desafios de milhões de refugiados.
Amin descreve uma imagem comum nos noticiários: em um barco superlotado, ele avista um cruzeiro europeu. Em vez de receber ajuda, o grupo se torna objeto da curiosidade de turistas que tiram fotos da cena como se visitassem um zoológico. Hoje um acadêmico de 41 anos, o afegão encara a tarefa cotidiana de superar os traumas do passado para ser feliz com seu noivo, de identidade também não revelada, na segurança do exílio na Dinamarca. Uma audácia e tanto para quem sobreviveu ao inimaginável.
Publicado em VEJA de 27 de abril de 2022, edição nº 2786
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