Está na pauta do Supremo Tribunal Federal a decisão sobre o ensino domiciliar, e o que se questiona é o direito de as famílias decidirem sobre como e onde educar seus filhos.
A interpretação do artigo 205 da Constituição está em jogo. O artigo atribui a responsabilidade pela educação ao Estado e à família, mas não cria o monopólio da instituição escolar nem a prevalência do Estado.
As leis invocadas pelo Procurador Geral – como a Lei de Diretrizes e Bases e o Estatuto da Criança e do Adolescente – devem se subordinar à Constituição.
Cidadãos que prezam a liberdade precisam entender o que está em jogo: o cerceamento do poder dos pais e a intromissão do Estado em decisões que lhes competem.
Não se trata aqui de situações como a vacinação obrigatória, em que a decisão de um indivíduo pode colocar em risco a vida do coletivo. Nem de situações como a Lei da Palmada – que protege a criança indefesa de eventuais abusos.
Estamos falando do direito de optar conscientemente por uma determinada forma de educação que, se negado, qualificaria o ensino domiciliar como risco à sociedade e abuso às crianças.
As legislações nacionais variam muito – os países de tradição inglesa são mais abertos à ideia –, mas o ensino domiciliar é permitido em diversos países. Na Alemanha, foi proibido pelo regime nazista, e hoje é aceito sob condições.
São importantes os argumentos a favor da obrigatoriedade de educar os filhos e de estabelecer conhecimentos mínimos que todos os cidadãos devem adquirir. Mas isso não equivale a obrigar as famílias a matricular filhos em escolas. Ademais, há formas alternativas de aferir esses conhecimentos já previstas na legislação
Mesmo se atribuirmos à escola a função de socialização, isso não exclui formas alternativas de promovê-la. Mesmo porque, em nosso país, há escolas privadas que criam o maior apartheid social do mundo.
É digno de nota que nenhum partido político se dispôs a entrar no tema – o supostamente liberal DEM, que hoje ocupa o MEC, foi incapaz de mostrar coerência com seus princípios. Mais uma prova da falência do modelo de representação política.
O que está em questão é a liberdade. A liberdade incomoda, porque dá às pessoas o direito de fazer escolhas – e estas podem contrariar convicções e interesses.
Poucas pessoas em todo o mundo optam pelo ensino domiciliar. E há evidências de que esta é uma forma tão boa quanto qualquer outra para educar os filhos, tanto do ponto de vista de conhecimentos quanto de ajustamento e desempenho acadêmico posterior. Em algumas circunstâncias, é a única ou a mais adequada.
Retirar esse direito significa mutilar direitos e responsabilidades que a Constituição atribui às famílias em igualdade de condições com o Estado. É tornar o País menor e menos livre.
A decisão concreta do STF afetará a poucos, mas o seu significado afeta a todos nós: implica optar entre um País com mais controle do Estado ou com mais liberdade para os seus cidadãos.