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O que é fato e ficção em filmes e séries baseados em casos reais
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‘A Guerra dos Sexos’: o esporte na luta por direitos iguais

Filme que recria a partida entre Billie Jean King e Bobby Riggs, disputada nos anos 1970, serve de pano de fundo para a luta pela igualdade de direitos

Por Alexandre Salvador Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 nov 2017, 10h12 - Publicado em 2 nov 2017, 09h17

Em cartaz desde o último dia 19 nos cinemas brasileiros, A Guerra dos Sexos apresenta uma discussão atualíssima: a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. O filme remonta aos acontecimentos que levaram à disputa de uma partida de exibição entre a tenista americana Billie Jean King (interpretada por Emma Stone), a melhor jogadora do mundo naquela época, e Bobby Riggs (Steve Carell), um ex-jogador machista e falastrão que não se conformava com o ocaso. O jogo aconteceu em 20 de setembro de 1973 e praticamente parou os Estados Unidos: estima-se que 90 milhões de telespectadores acompanharam o confronto, que ficou conhecido pela expressão que dá título ao filme.

Longas que abordam o tênis não possuem um bom retrospecto na telona – talvez a única exceção seja o excelente Match Point (2005), mas que, sem dar maiores spoilers, abandona o esporte do meio para o fim. Outra ficção que usa o universo das raquetes como fio condutor é Wimbledon – O Jogo do Amor (2004). Esse último rouba totalmente o ambiente verdadeiro do tradicionalíssimo torneio inglês disputado em quadras de grama, com a participação ilustre de lendas do tênis como Chris Evert e John McEnroe interpretando a si próprios. Mas é um romance bem “água com açúcar”.

A Guerra dos Sexos triunfa justamente por saber dosar o fio-condutor da história, que é o jogo de tênis, com a grandeza rebelde da própria protagonista. Billie Jean foi uma das responsáveis por transformar o tênis feminino em uma modalidade tão lucrativa para as suas praticantes quanto o era para os homens. Se hoje existe uma atleta tão venerada como Serena Williams, apontada por muitos como a maior tenista de todos os tempos, ela certamente não existiria sem a trajetória de Billie Jean. A Guerra dos Sexos também mostra uma passagem bastante pessoal da ex-tenista americana, e que fez dela o ícone de uma outra minoria: a descoberta de sua homossexualidade perto dos 30 anos, embora seu relacionamento com uma cabeleireira tenha sido romanceado no roteiro.

“Não é um filme de esporte ou um documentário”, garantiu a própria Billie Jean King em entrevista à revista americana Sports Illustrated. Os diretores do longa, Jonathan Dayton e Valerie Faris – os mesmos de Pequena Miss Sunshine (2006) , confirmam as concessões necessárias para dar sentido e ritmo à história. “(Os fatos contados no filme) levaram três anos para acontecer. O que fizemos foi colocar tudo num calendário mais enxuto”, disse Dayton à mesma Sports Illustrated. O roteiro de A Guerra dos Sexos é de responsabilidade de Simon Beaufoy (vencedor do Oscar pela adaptação de Quem Quer Ser Um Milionário? para o cinema).

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VEJA listou algumas das principais passagens do filme para verificar a veracidade da adaptação cinematográfica da vida de Billie Jean King:

 

Queda de braço com a federação americana

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Em 1971, ao vencer o Aberto dos Estados Unidos, Billie Jean King amealhou 7 500 dólares (42 600, em valores atuais, ajustados pela inflação). O ganhador do torneio masculino do US Open levou quase três vezes essa quantia: 20 000 dólares. Hoje, além da cifra ser infinitamente maior (o ganhador da edição de 2017 levou para casa 3,7 milhões de dólares), os valores pagos a homens e mulheres são iguais. A cena em que Billie Jean e Gladys Helman (interpretada pela ácida Sarah Silverman) confrontam o dirigente da Associação de Tênis dos Estados Unidos, atualmente chamada de USTA, Jack Kramer (levado às telas por Bill Pullman), aconteceu da forma como mostra o filme, embora a data, no longa, esteja incorreta: foi em 1970, e não 1972. Desse rompimento realmente surgiu um circuito paralelo ao da federação americana. Batizado com o nome de seu primeiro patrocinador, uma marca de cigarros, o Virginia Slims Tour, reunia no início nove das melhores tenistas do mundo – entre elas, a própria Billie Jean. Esse foi o embrião da criação da Women’s Tennis Association (WTA), entidade que controla o calendário do tênis profissional feminino.


A descoberta da homossexualidade

Embora o romance entre Billie Jean e a cabeleireira Marilyn Barnett (interpretada por Andrea Riseborough) tenha sido real, A Guerra dos Sexos não é 100% preciso na reconstituição dos fatos. A começar pela forma como as duas se conheceram: na película, Billie Jean e Marilyn se encontram na véspera da coletiva de imprensa do anúncio do Virginia Slims Tour. Na realidade, o encontro ocorreu alguns anos depois, mas realmente se deu em um salão de beleza. Outra parte ficcionalizada foi o afastamento repentino das duas e a reconciliação apoteótica nos minutos que antecederam a partida entre Billie Jean e Bobby Riggs. De acordo com livros que registraram o evento de 1973, Marilyn sempre esteve ao lado da namorada, e fio inclusive a responsável por massagear suas panturrilhas em uma parada técnica durante o confronto.

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O fim do romance entre as duas, aliás, fica sem explicação – nos créditos finais, há apenas a menção ao fato de Billie Jean hoje estar casada com Ilana Kloss, uma ex-tenista sul-africana. A razão para essa omissão talvez esteja no fim traumático do romance. As duas se separaram em 1979, quando a tenista ainda era casada com o advogado Larry King. Ele, mesmo sabendo do relacionamento extraconjugal, continuou ao lado de Billie Jean, como marido e empresário. E a tenista dava até abrigo a Marilyn, que, durante o relacionamento, morava em uma casa na praia de Malibu, em Los Angeles, pertencente a Billie Jean. Com o fim do romance, a tenista pediu que a cabeleireira deixasse o local, o que ensejaria um período de confrontos e turbulências para Billie Jean.

Dois anos mais tarde, em 1981, Marilyn Barnett decidiu processar Billie Jean King. Embora não houvesse à época uma legislação que amparasse a separação de um casal homossexual, a ex-amante da tenista sentiu-se no direito de reclamar parte dos bens de sua ex-companheira. O período coincidiu com um dos piores momentos da carreira de Billie Jean dentro da quadra, pois ela teve que assumir publicamente um relacionamento lésbico ainda casada com Larry King — os dois se separaram apenas em 1987. Marilyn, por sua vez, tentou suicídio e acabou paralisada da cintura para baixo. Billie Jean só veio a assumir sua homossexualidade em 1998, em um artigo para a revista The Advocate.


O Massacre do “Dia das Mães”

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Antes de enfrentar Billie Jean, Bobby Riggs tinha um retrospecto favorável em um confronto entre gêneros. Em 13 de maio de 1973, o tenista aposentado enfrentou a profissional australiana Margaret Court (Jessica McNamee), conhecida pelo apelido de “O Braço”, dada a potência das suas raquetadas. Como o filme revela, Court só foi escolhida depois de uma negativa inicial de Billie Jean. Mas o roteiro confunde-se no valor do prêmio oferecido a Margaret Court: na película, Riggs oferece 35 000 dólares por uma partida televisionada contra a australiana. Na realidade, o valor prometido foi de 10 000 dólares. No jogo realizado em uma tarde ensolarada na cidade americana de San Diego, na Califórnia, o veterano aproveitou-se das bolas curtas e venceu Margaret em fáceis dois sets a zero (parciais de 6/2 e 6/1). O jogo ficou conhecido posteriormente como o Massacre do Dia das Mães, por ter sido realizado justamente no segundo domingo de maio, e foi o que motivou Billie Jean a aceitar o desafio feito por Riggs.


Jogo foi uma lavada

O local escolhido para o confronto foi o antigo estádio Astrodome, na cidade de Houston. O público oficial para a partida foi de 30 472 espectadores, até hoje o maior público registrado para uma partida de tênis. Toda a fanfarra e extravagância do confronto entre Billie Jean King e Bobby Riggs foi reproduzida fielmente em A Guerra dos Sexos. Billie Jean entrou em quadra carregada por homens de peito desnudo, em um trono inspirado naquele usado por Cleópatra, do Egito Antigo. Já seu adversário chegou ao local vestindo um casaco amarelo e vermelho bem chamativo, e que estampava a marca de um de seus patrocinadores (os pirulitos Sugar Daddy). Aliás, o filme é bem real ao revelar o incômodo causado pelo sobretudo plastificado amarelo. A única ressalva fica pela suposta dificuldade ou emoção que o confronto pode ter causado (e aqui fica um enorme alerta de spoiler): Billie Jean venceu a partida em três sets diretos (6/4, 6/3 e 6/3). Há quem diga que Riggs, um apostador inveterado, entregou o jogo propositalmente. Essa acusação nunca foi confirmada, e parece mais choradeira de quem esperava uma vitória do time do Bolinha.

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Medalha Nacional da Liberdade 

A polêmica em torno de sua sexualidade ou sua postura combativa pela igualdade de direitos prova o tamanho do desafio enfrentado por Billie Jean King. Tanto que o reconhecimento por seus esforços, dentro e fora da quadra, vieram ainda em vida. Em 2006, a Associação de Tênis dos Estados Unidos (USTA) decidiu rebatizar todo o complexo de Flushing Meadows, em Nova York, com o nome da tenista. O Centro Nacional de Tênis Billie Jean King é a casa do Aberto dos Estados Unidos, um dos quatro torneios mais importantes do circuito profissional, desde 1978. Três anos mais tarde, foi a vez do presidente americano Barack Obama homenagear Billie Jean com a Medalha Nacional da Liberdade, por ser uma “agente de mudança” em relação aos direitos das mulheres. “Nós valorizamos aquilo que ela (Billie Jean) chama de ‘coisas fora da quadra’: o que ela fez para ampliar o alcance do esporte, para mudar a forma como as mulheres, atletas ou não, se enxergavam. E, principalmente, para dar a qualquer um, sem importar qual seu gênero ou orientação sexual, minhas duas filhas incluídas, uma chance de competir tanto na quadra quanto na vida”, disse Obama na entrega da Medalha.

 

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