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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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A lógica econômica do livre mercado de ideias

Há mais de meio século, a obra do juiz e professor de Direito Richard Posner já trazia contribuições diretas para o tema da liberdade de expressão

Por Luciana Yeung
Atualizado em 9 Maio 2024, 15h16 - Publicado em 2 Maio 2024, 08h39

Em coluna passada deste mesmo espaço, já mostrei que a conexão entre o Direito e a Economia vai além de temas mercantis, monetários e financeiros. Na coluna desta semana, vamos discutir como o Law and Economics pode contribuir de maneira direta com um tema polêmico, mas muito em alta nas últimas semanas no Brasil: a liberdade de expressão e de ideias.

Até recentemente, era impensável defender o cerceamento da liberdade de expressão em países ditos democráticos. No entanto, em anos bem recentes, no Brasil e no mundo, o medo do avanço da tecnologia está fazendo com que alguns escolham “desenterrar mortos”. Acontece que a tecnologia tem permitido a ocorrência de fenômenos novos, tais como jovens equipados com celulares mobilizando massas para derrubar governos, eremitas solitários fazendo programas diários com milhões de seguidores no mundo inteiro, ou indivíduos de qualquer formação ou ocupação disseminando suas ideias (por mais absurdas e “malucas” que possam ser), questionando o establishment científico, político e social. Fenômenos como “pós-verdade”, fakenews, “inversão de valores”, “discursos de ódio” são tão desconcertantes e poderosos que se tornam justificativas para o monitoramento estatal constante dos cidadãos. Muitos começam a questionar se a liberdade de expressão deveria mesmo ser irrestrita ou se deveria ser limitada pelo Direito. 

O problema é que o Estado, sendo convocado às pressas para “resolver” essas questões, carece de objetividade e dos instrumentos científicos necessários para avaliá-las. Uma análise equilibrada é difícil, porque ideologias e interesses partidários dos indivíduos por trás das leis e do Direito introduzem vieses nos debates. (Mesmo que neguem, todos os seres humanos têm suas ideologias, pela própria vivência de suas histórias pessoais, familiares, profissionais – é inevitável.)

Curiosamente, há mais de meio século, a obra-prima “Análise Econômica do Direito”, do pioneiro dessa área, o juiz e professor de Direito da Universidade de Chicago Richard Posner, já trazia contribuições diretas para esse tema.

Uma das justificativas principais quando se discute a limitação da liberdade de expressão é “coibir as notícias falsas”. Mas, como saber ou mesmo definir o que é verdade, em contraposição ao que é falso? A posição de Posner ecoa a do grande filósofo da ciência do século XX, Karl Popper. Este afirmava que nunca seremos capazes de saber o que é a “verdade”, e que o máximo que podemos fazer é acreditar – de maneira mais ou menos fundamentada – que estamos próximos dela. A incerteza permanente, dizia o pai da metodologia científica, deve ser o estado de espírito imanente dos investigadores.

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Posner, contudo, dá uma abordagem mais econômica e pragmática sobre o assunto. Para ele, uma ideia se torna verdadeira porque todas ou a maioria das pessoas que precisam dessa informação – os “consumidores” dessa informação – a consideram verdadeira. Essa é a única maneira de obtermos “prova da verdade”. Somente isso. Por isso, é pretensioso proibir certas ideias porque elas não são “verdadeiras”. Essa seria uma concepção bastante pragmática e baseada na ideia de um processo competitivo em busca da verdade, assim como um mercado competitivo de “ideias verdadeiras”.

Além disso, a proteção constitucional do direito às ideias e à expressão seria um instrumento importante contra o monopólio e o autoritarismo estatal (que deve ser questionado sempre): nos regimes democráticos modernos, o Estado não pode ser a fonte de decisão sobre quais ideias são aceitáveis e quais não são – porque ele (e seus membros) não possui legitimidade para tomar tais decisões (e talvez ninguém tenha). Por fim, o “mercado de ideias” é particularmente frágil, assim sendo, intervenções pela lei sobre o mercado tenderiam a gerar mais problemas do que benefícios. Isso ocorre sobretudo se houver uma classificação aleatória de quais ideias devem ser regulamentadas e quais não devem, por algum burocrata ou decisor político tão humanamente cheio de falhas quanto todos os demais da sociedade. Academicamente sabemos também que a regulação ótima e eficiente do mercado de ideias ainda está longe de ser alcançada pelas melhores teorias econômicas.

Richard Posner está preocupado com a criação de ideias – não importa quais (afinal, nunca saberemos quais são “verdadeiras”). Portanto, sua inclinação é sempre a favor da máxima produção de ideias possível, para que elas possam competir umas com as outras. A subprodução é ineficiente e deve ser evitada a todo custo. Permitir investimentos na produção de ideias concorrentes deve sempre ser o objetivo principal de toda a sociedade, e isso seria verdade mesmo para ideias que poderiam ser consideradas conspiratórias ou “odiosas”. Por mais repulsivo que isso possa parecer, se lembrarmos que algumas ideias podem inesperadamente levar à criação de extraordinários benefícios, e que é muito difícil avaliar ex ante o potencial alcance delas, a defesa universal de Posner da criação irrestrita de ideias parece menos repugnante. Diversas das maiores ideias da Humanidade vieram “ao acaso”, com fins bastante distintos do que o(a) inventor(a) tinha inicialmente em mente.

No entanto, genial como é, Posner não seria ingênuo e sabe muito bem que as ideias muitas vezes podem causar danos – e, consequentemente, exigiriam intervenção legal. Mas ele acredita que existem maneiras de punir tentativas de causar dano sem ameaçar o livre mercado de ideias. Ele mostra que declarações de intenções (por exemplo, ameaças) são diferentes de declarações de ideias. As primeiras não geram concorrência e não são produtos de investimento em ideias, devem, portanto, ser suprimidas sem comprometer o livre mercado, que precisa ser preservado.

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A lógica econômica poderia igualmente ser aplicada para avaliar declarações ameaçadoras, chantagem, difamação e “informações” prejudiciais, como pornografia. Compreender os custos incorridos na supressão de declarações e na disseminação de informações desse tipo não é tarefa trivial, muito menos confortável. No entanto, é necessário, para evitar resultados ainda mais custosos. Em sua obra, o autor cria uma regra objetiva para avaliar quando optar pela intervenção. Também faz distinção entre regulação restritiva e supressão total, sempre preferindo a primeira.

O autor mostra que, assim como em outros mercados, não importa o quanto cada um de nós ou cada um dos agentes reguladores goste ou não goste de uma determinada ideia. Em termos de eficiência, ou maximização de ganhos sociais, é necessário garantir que esse mercado seja o mais livre possível, para que a produção de ideias concorrentes seja a maior possível, regulando-o (e não, suprimindo-o) quando necessário. O critério para a regulação estaria em situações onde há um potencial maior de dano do que benefícios, e isso poderia ser novamente analisado com instrumentos específicos.

Podem ser ideias ainda excessivamente revolucionárias para um mundo turbulento como o nosso. Mas as lições do pioneiro genial da análise econômica do direito são essas, há mais de 50 anos. 

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