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O primeiro restaurante

A genial invenção francesa do estabelecimento que serve comida em horas certas, para clientes sentados à mesa, com preços prefixados

Por J.A. Dias Lopes
Atualizado em 30 jul 2020, 20h47 - Publicado em 15 ago 2017, 09h14
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  • Restaurant du Boeuf à la Mode, em Paris: um modelo de negócio difundido pela Revolução Francesa (Museu Carnavalet, Paris/Divulgação)

    O restaurante, um estabelecimento que serve refeições em horas certas, para pessoas sentadas à mesa, com preços estabelecidos previamente, é encontrado no mundo inteiro. Dá até a impressão de que sempre existiu. Mas isso não é verdade. O restaurante que conhecemos surgiu em Paris no século 18 e teve a Revolução Francesa (1789-1799) como sua propagadora. 

    O movimento que derrubou o absolutismo personificado pelo rei Luís XVI e aboliu os privilégios da monarquia, da aristocracia e do clero, abrindo no mundo a era dos governos democráticos, não desfraldou a bandeira da gastronomia, antes pelo contrário. Entretanto, comer bem foi um hábito da elite odiada e perseguida por ele, que nunca pensou em banir.

    Luís XVI, o rei guilhotinado pelo novo regime, e seu antecessor, o requintado Luís XV, davam-se ao luxo de ter excelentes cozinheiros. Ambos se interessavam pela culinária. O próprio Luís XV ia à cozinha preparar pratos inclusive em ocasiões especiais e se tornou exímio em petit-fours. Como os gostos dos soberanos viravam moda, os príncipes e demais detentores de títulos nobiliárquicos imitavam o hobby; outros contratavam grandes chefs. A finesse era lei à mesa.

    LUÍS XV – imagem – vale
    Luís XV: além de contratar chefs, cozinhava como hobby e fazia petit-fours (Louis-Michel Van Loo, 1763) (Louis Michel Louis-Michel Van Loo/Divulgação)

    Claro, foram observadas contradições. O escritor catalão Nestor Luján, no livro “Historia de la Gastronomia” (Ediciones Folio, Barcelona, 1997) conta que as várias filhas de Luís XV com Maria Carolina Sofia Felícia Leszczynska, princesa polonesa e rainha consorte da França e Navarra, eram glutonas incorrigíveis. Elas escondiam nos armários dos seus quartos de dormir, para atacar fora das refeições, presuntos crus, frangos assados, vinho tinto  “e comiam até quase explodir”.

    Deflagrada a Revolução Francesa, os cozinheiros que trabalhavam nos palácios da nobreza viram-se  repentinamente desempregados, pois seus patrões tiveram a cabeça decepada pela guilhotina ou fugiram para o exterior. Por isso, abriram restaurantes, rotisserias, confeitarias ou padarias em Paris. Foram beneficiados pela abolição das corporações e dos privilégios de origem medieval e a liberdade de instalar negócios. 

    Três exemplos: Robert, chef do Príncipe de Condé, abriu o Chez Robert; Barthélemy e Simon, ex-empregados do Príncipe Conti, fundaram o Frères Provençaux; o ex-cozinheiro do Duque de Orleans inaugurou o Meot, onde se reuniram os membros do tribunal que condenou à guilhotina a rainha Maria Antonieta, mulher de Luís XVI, festejando a  execução da soberana. 

    A clientela dos restaurantes que abriam na ocasião era formada pelos “representantes do povo” vindos do interior, que não tinham casa em Paris e procuravam lugares para comer bem, por intelectuais revolucionários ou nem tanto e homens de negócios com boa disponibilidade financeira.

    A palavra restaurante apareceu pela primeira vez na porta de um estabelecimento que começou a funcionar em 1765 na Rue des Poulies, em Paris, portanto poucos anos antes da Revolução Francesa. Seu dono era um “marchand” de caldos e cozidos chamado Boulanger, segundo alguns, ou Roze, conforme outros. Diferentemente das tascas, tabernas ou pousadas, só recebia pessoas que desejavam comer. Para atrair a clientela, escreveu na porta, em latim, uma frase do Evangelho Segundo São Mateus (11.28): “Venite ad me, omnes qui stomacho laboratis et ego restaurabo vos”.

    Seu prato forte era Pés de Carneiro ao Molho Branco. Boulanger ficava na porta, anunciando-o em voz alta. Vestia-se de maneira extravagante. Ostentava uma suntuosa casaca, um grande cordão no pescoço e uma espada na cintura. Logo fez sucesso e causou inveja aos concorrentes desprovidos de senso de marketing.

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    Acusaram-no de fazer ragu, uma receita que sua casa não estava habilitada a preparar – as corporações ainda sobreviviam – e impetraram recurso à instância superior. Não tiveram êxito. O Parlamento decidiu que a receita dos Pés de Carneiro ao Molho Branco não podia ser considerada ragu. Portanto, o pioneiro ganhou a causa.

    A promessa que Boulanger fez em latim na porta acabou identificando o tipo do estabelecimento. “Ego restaurabo vos” (“eu vos darei descanso” ou “eu vos restaurarei”, em tradução livre) virou nome do negócio. O vocábulo restaurateur (pessoa que administra profissionalmente o restaurante) apareceu em 1771 na última edição do “Dictionnaire de Trévoux”, com esta explicação: “os restaurateurs são aqueles dotados da arte de fazer os verdadeiros caldos restauradores e o direito de vender toda a classe de cremes, sopas de arroz, ovos frescos, macarrões, aves, doces, compotas e outros pratos saudáveis e delicados”.

    No entanto, a enciclopédia “Larousse Gastronomique” (Larousse-Bordas, Paris, 1996)  afirma que o primeiro restaurante digno desse nome se chamava Grande Taverne de Londres e surgiu em 1782 na Rue Richelieu, por obra de Antoine Beauvilliers, chef do Conde de Provence, futuro rei Luís XVIII.

    No livro “A Fisiologia do Gosto”, de 1825, Jean-Anthelme Brillat-Savarin, um dos mais notáveis gastrônomos franceses de todos os tempos, dedica-lhe comentários elogiosos: “Beauvilliers terá sido durante 15 anos o mais famoso restaurateur de Paris. Foi o primeiro a possuir uma sala elegante, garçons bem vestidos, uma adega bem cuidada e uma cozinha superior”.

    Em outras palavras, a dispersão dos chefs pela Revolução Francesa popularizou a rica cozinha palaciana, com a multiplicação dos restaurantes. Sua comida deixou de ser privilégio da nobreza para se tornar acessível à população que tinha dinheiro para pagar a conta. No livro “Banquete – Uma História da Culinária, dos Costumes e da Fartura à Mesa” (Jorge Zahar Editora, Rio de Janeiro, 2004), o historiador e escritor inglês Roy Strong ressalta que a genial invenção do restaurante alterou a percepção da comida.

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    “Fez com que aqueles que jamais haviam pensado nela se tornassem pela primeira vez conscientes da arte de cozinhar”, diz. “Ao lerem um cardápio de restaurante, não podiam deixar de se conscientizar das dúzias de diferentes maneiras de se preparar um único ingrediente”.  Tudo começou com Pés de Carneiro ao Molho Branco, quem diria! 

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