Não sei se todos aqui se lembrarão do lançamento do BlackBerry. Era um celular com um sistema de mensagens parecido com o atual WhatsApp. A empresa que o lançou, ao pensar no nome do aparelho, fez uma referência aos piratas. “BlackBerry” era a denominação dada à bola de ferro preta que ficava acorrentada no tornozelo dos bandidos da época. E a analogia foi perfeita. Assim como eles, já era esperado que as pessoas ficariam presas a essa nova mídia e não iriam mais a lugar algum sem ela.
Com o iPhone e as redes sociais, então, a revolução nos hábitos digitais se consumou de vez. A internet, que, em tradução literal, seria uma rede interligada de informações, acabou se tornando somente uma rede, como se fosse de pesca. E nós nem percebemos quando e se fomos pescados.
O Instagram, uma das mídias sociais mais populares do planeta, tinha como objetivo inicial fornecer uma plataforma em que as pessoas pudessem compartilhar fotos instantâneas. Logo percebeu o amplo universo que poderia alcançar e é, hoje, uma ferramenta multifuncional com vídeos e outros recursos, permitindo que pessoas se conectem e compartilhem interesses semelhantes (às vezes com lucrativas intenções por trás).
Atualmente, somos pescados pela rede, estamos acorrentados aos smartphones e, quase sempre, somos persuadidos de que tudo isso é o melhor para nossa vida e a das nossas famílias. Mas pensamos assim baseados no quê? Nessa nebulosa realidade, mergulhamos na era da desinformação, em que coexistem tentativas deliberadas e instrumentalizadas de manipular e confundir as pessoas nesse ambiente.
Entre as fake news e a picaretagem de influencers que querem ganhar seguidores e dinheiro, torna-se cada vez mais difícil, para nós médicos e profissionais de saúde, lutarmos contra esse fenômeno.
A balança do que é informação correta e científica e o que não passa de achismo ou marketing está totalmente desequilibrada. Pesa mais o que não tem embasamento, mas tem engajamento. A credibilidade do influenciador ou profissional está ligada ao seu número de fãs. Quanto maior esse número, que pode até ser comprado, mais ele ganha confiança.
O paciente fica preso a essa rede e, para agravar a situação, sente-se seguro nela. Números de likes valem mais do que ciência.
Está se tornando impossível mensurar e reduzir o dano que toda essa desinformação tem causado à prevenção e ao tratamento das doenças. Nós, entidades médicas, agências reguladoras e órgãos governamentais estamos deixando essa imensa tempestade ser formada na nascente do rio e, quando ela chegar às cidades, não teremos condições para controlar os estragos.
Falamos tanto de mudanças climáticas… Talvez devamos incluir essa tempestade na lista de problemas a enfrentar.