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Mestre e doutor em Oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein
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Combater a varíola dos macacos se faz sem estigmas

Todos nós estamos sujeitos a contrair a doença, sem diferenciação entre quaisquer grupos

Por Claudio Lottenberg
2 ago 2022, 09h29

O cientista social canadense Erving Goffman publicou, em 1963, o livro Estigma – Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Lá, ele lembra, já no prefácio do livro, que o estigma é a “situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena”. Mais adiante, lembra que os gregos criaram o termo para se referirem a “sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava”. Quem portava tais sinais era, escreve Goffman, uma pessoa marcada, que deveria ser evitada, especialmente em lugares públicos.

Como se vê, há pouco que se possa dizer de positivo a respeito de estigmas quando se considera a origem do termo. A palavra ganhou visibilidade na última semana, quando o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse que “estigma e discriminação podem ser tão perigosos quanto qualquer vírus e podem alimentar o surto” – no contexto da emergência global de varíola dos macacos, declarada pela própria organização.

Faz todo o sentido, se levarmos em conta o seguinte dado: cerca de 98% dos casos registrados da doença são de homens gays – embora qualquer pessoa exposta possa pegar a doença. No mundo, de acordo com a OMS, são já mais de 18 mil casos e no Brasil, já são mais de mil (o que, de acordo com a OMS, é alarmante para o país).

Antes de mais nada, lembremos que a doença não é transmitida pelo animal, apesar do nome. Se chama assim por ter sido identificada em colônias de macacos na África, na década de 1950. Sobre a varíola dos macacos em si, há casos, como temos visto, de pacientes que chegam a óbito, mas se trata de uma doença relativamente leve. O doente apresenta em geral febre, dor de cabeça, dores musculares, calafrios, exaustão e erupções na pele, semelhantes às da catapora. Os sintomas se manifestam entre cinco e 21 dias após contato com uma pessoa infectada. A doença costuma desaparecer entre duas e quatro semanas. Há vacina, que é eficaz para a prevenção, mas não há tratamento específico.

Mas o preconceito que surge ao se estigmatizar uma comunidade por conta do atual cenário da doença – esse, se não combatido na raiz, perdura muito mais. A lembrança do sombrio período dos anos 1980, quando surgiu a epidemia de Aids, é quase imediata. A incidência maciça de casos entre homens gays fez com que diversas vozes de alas mais conservadoras de diversos países criassem o estigma de que se tratava da “peste gay”. Os ecos dessa reação causaram danos com reflexos sentidos ainda hoje.

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E a estigmatização dificulta a conscientização, o acesso a tratamentos e só contribui para que a informação não circule e a doença continue a se propagar. Como estamos vendo ainda no caso da covid-19 (a pandemia não acabou), deixar que uma doença altamente contagiosa circule sem barreiras pode ter consequências desconhecidas, para as quais não há preparação possível.

Outra lição deixada pela crise sanitária que o mundo atravessa há dois anos é que a ciência ainda é o melhor caminho para que se chegue a formas mais eficazes de combater doenças. Posições politizadas e polarizadas como as que vemos hoje predominar, seja na imprensa, seja nas redes sociais, seja nos nossos próprios convívios sociais, têm apenas o potencial para mais divisionismo.

Por mais que a Covid tenha afetado primeiramente pessoas idosas e com comorbidades, todos estamos sujeitos a contraí-la, seja qual for a idade, seja qual for a situação de saúde. No caso da varíola dos macacos, já está sob investigação um caso suspeito em uma criança de sete anos no Brasil. É preciso entender que todos estamos expostos ao contágio, e o respeito à dignidade de todo, independente de quaisquer contingências, é o que fará com que vençamos mais um desafio imposto à saúde do mundo todo.

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