Pelo segundo ano consecutivo, Pritzker valoriza profissional com atuação social e elege Frei Otto, morto nesta semana
Tristes circunstâncias levaram o júri do prêmio Pritzker, a mais importante premiação da arquitetura mundial, a antecipar em duas semanas a divulgação do vencedor deste ano. O escolhido, cujo nome seria relevado apenas no final deste mês, morreu na última segunda-feira (10) aos 89 anos: Frei Otto, arquiteto alemão conhecido pela criação das tendas metálicas utilizadas como cobertura nas […]
Tristes circunstâncias levaram o júri do prêmio Pritzker, a mais importante premiação da arquitetura mundial, a antecipar em duas semanas a divulgação do vencedor deste ano. O escolhido, cujo nome seria relevado apenas no final deste mês, morreu na última segunda-feira (10) aos 89 anos: Frei Otto, arquiteto alemão conhecido pela criação das tendas metálicas utilizadas como cobertura nas Olimpíadas de Munique, em 1972.
Equivalente ao Nobel da arquitetura, o júri do Pritzker escolhe anualmente profissionais cuja carreira tenha contribuído significativamente para a evolução do ofício. Com a notícia da morte de Otto, os organizadores decidiram revelar ter sido ele o eleito desta 40ª edição. O arquiteto já havia sido notificado sobre o prêmio no início deste ano, quando a diretora executiva, Martha Thorne, viajou até Leonberg, uma cidadezinha perto de Stuttgart, onde ele vivia. Na ocasião, Otto já estava cego, embora seu quadro geral de saúde fosse bom. A família — ele deixa mulher e cinco filhos– não divulgou a causa de sua morte.
Otto nasceu em 1925, filho de um escultor, e aos 15 anos construía miniaturas de aeronaves de aeromodelismo. Aos 17, foi convocado para servir ao exército alemão na Segunda Guerra Mundial. Foi capturado e levado para um campo de prisioneiros da França, experiência que o despertou para a importância de se criar abrigos temporários baratos. Em 1952, abriu escritório para dedicar-se a pesquisas nesta temática. Era fascinado pela estrutura da bolha de sabão, o que o inspirou em vários projetos.
As coberturas metálicas usadas em Munique foram o ponto mais alto de sua carreira e influenciaram gerações de arquitetos que vieram depois dele. Um desses discípulos foi o japonês Shigeru Ban, vencedor do Pritzker no ano passado e celebrado por seu trabalho com tubos de papelão (leia aqui). A escolha por Otto representa, portanto, a segunda vez consecutiva em que os organizadores do prêmio privilegiam profissionais preocupados com questões ambientais e sociais, a chamada arquitetura cidadã, do que autores de obras mirabolantes, na linha do que é feito pelos starchitects (leia mais aqui).
O que se percebe é que está em andamento uma mudança na escala de valores do que é considerado uma boa obra arquitetônica, transformação que teve seu pontapé inicial com a crise financeira de 2008 e segue impulsionada pelas preocupações com o clima e a sustentabilidade. A mudança é interessante, mas ainda não deixa claro quais são os requisitos para se encaixar no novo modelo. Diz o crítico de arquitetura Fernando Serapião: “O prêmio do Frei Otto recupera um figura fora do cenário, que não produzia nada de relevante há décadas. Fica a pergunta: não se encontrou nenhum arquiteto na ativa que mereça o prêmio e trabalhe com o foco ambiental e social?”.
Para Serapião, havia, sim, outras figuras de destaque nesta seara e que talvez merecessem ainda mais serem lembradas por sua contribuição cidadã. É o caso como Peter Rich, inglês que mora em Joanesburgo, na África do Sul, e foi um importante ativista na era do apartheid, criando instalações para a população negra. Ou então Samuel Mockbee, norte-americano morto em 2001 e que trabalhava com comunidades pobres e negras do Alabama.
Emerge ainda o nome de João Filgueiras Lima, o Lelé, um dos mais importantes arquitetos brasileiros e que faleceu no ano passado, aos 82 anos (leia mais neste post). Contemporâneo de Oscar Niemeyer, Lelé dedicou-se à pesquisa de peças e processos de pré-fabricação capazes de baratear as construções sem comprometer o resultado final, algo fundamental em um país pobre como o Brasil. Apesar do empenho, nunca realizou seu sonho. Faliu por duas vezes ao criar fábricas de concreto pré-moldado e estruturas semelhantes. Viajava por todo o país para disseminar a importância de cursos de treinamento para arquitetos e engenheiros aprenderem a usar esses materiais. Sua obra mais conhecida é a Rede Sarah de hospitais, onde são oferecidos serviços de saúde sem fins lucrativos. “A morte alcançou-o antes da mudança de postura do Pritzker”, diz Serapião.
Quem sabe a eleição de Otto neste ano sinalize certa disposição dos organizadores em trazer Lelé de volta ao páreo para disputar, ainda que postumamente, um importante reconhecimento de seu legado e de novos valores da arquitetura contemporânea.
Por Mariana Barros
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