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Por André Sollitto e Ricardo Amorim
Novidades e reflexões sobre o mercado da cannabis legal, no Brasil e no mundo
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“O Brasil tem pouco interesse na discussão sobre legalização da maconha”

O historiador Jean Marcel Carvalho França, autor de "História da maconha no Brasil", fala sobre o relançamento do livro e a relação do país com a erva

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 1 jul 2022, 19h58

Lançado originalmente em 2015, o livro “História da Maconha no Brasil” passou um período esgotado nas livrarias brasileiras e era vendido a pequenas fortunas. Agora, retorna em nova edição pela editora Jandaíra (168 págs., R$ 52,90). Na obra, o historiador Jean Marcel Carvalho França apresenta um panorama de como a cannabis chegou ao Brasil e foi incorporada em nossa sociedade. Ao apresentar fatos históricos, oferece argumentos importantes para a discussão sobre legalização e regulamentação.

Em entrevista ao blog, Jean Marcel conta como a longa história de estigmatização da erva afeta até hoje as políticas públicas, e afirma que o tema ainda desperta pouco interesse da população.

A nova edição está saindo agora, sete anos após a primeira. O texto foi atualizado?
Sim, mas pouca coisa aconteceu nesses anos. Mudanças comportamentais, de valores e de hábitos tem que ser motivados pela população. Sou contra legalizar por decreto. Isso tem que ter uma discussão. A população precisa decidir. E a sociedade brasileira, sem dizer se ela é ou não conservadora, porque isso não importa, mas ela não tem muito interesse nessa discussão. Não estou julgando também. Basta ver os exemplos do Canadá e do Uruguai. No Uruguai é mais visível porque está próximo. Houve um engajamento maior da população, não só de grupos, mas de uma classe média, que é quem dá norte pra sociedade, porque são majoritários. E aqui não tem. E isso não é por conta de um ou outro governante. Político tem faro de sobrevivência, e não vai colocar algo que a população não quer discutir.

Há uma discussão sobre uma “legalização” para uma parcela pequena da população, que tem recursos para investir em empresas e comprar os medicamentos. Como você vê essa questão?
No âmbito farmacológico, eu acho que vai ter um avanço maior. O Canadá fez isso durante anos. Houve três fases. A primeira era de fato medicinal. A segunda era artificialmente medicinal, porque se você tivesse dores noturnas você conseguia receita para comprar. Até que finalmente eles entraram na discussão do consumo para recreação. Pode acontecer. Mas veja, é um processo de discussão social. Tenho visto no interior de São Paulo dezenas de médicos, desses holísticos, que estão receitando canabidiol aos montes. Então esse processo vai tornar mais familiar. Eu sou um liberal clássico e acho que a população deve decidir as coisas. Você pode tentar impor com leis, mas em último caso são as pessoas que decidem. Por isso no Brasil temos aquele mau hábito de dizer: a lei pegou? Porque ela é tão artificial, não sai espontaneamente das demandas sociais. Eu acho que ela vai amadurecer. Seu uso vai se intensificar no ambiente médico, inclusive para terapias psicológicas. E assim vai se tornar mais familiar para mais pessoas. E eventualmente vamos chegar no debate sobre uso recreativo.

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Como fomentar essa discussão?
Não com maus argumentos, que é algo que temos muito aqui no Brasil. É o que dá de pior para a causa. Por exemplo, dizer que a legalização vai reduzir a criminalidade. Isso é um chute. O crime pode migrar. Dizem que a pessoa pode migrar do comércio ilegal para o comércio legal. Mas vai haver uma linha de financiamento do BNDES para sair de um para outro? Não, isso não é plausível. Quem investe é quem tem dinheiro, para ter distribuição, pontos de venda. Não é um comércio para botequim de esquina. Muito difícil fazer essa afirmação. Pode até ser que aconteça, mas acho pouco plausível. Outro mau argumento que vem desde os anos 1960 é não tratar a maconha, especificamente, com a dimensão que ela tem. Um apela para um lado, dizendo que é iluminadora, e outro diz que é a perdição da humanidade. Os extremos são muito ruins. Nem uma coisa nem outra. Vamos tratar com serenidade. 

O livro deixa claro que no Brasil não houve um processo semelhante ao que aconteceu em outros países, de glamourização, de menção na literatura. Ela sempre foi estigmatizada aqui.
Ao menos desde a década de 1930, digamos que há uma certa eficácia contra a maconha. Em primeiro lugar, porque ela só interessava a camadas muito pobres. Ela nunca foi consumida pelos intelectuais, nada disso. O século 19 deixa isso bem claro. Não tem nenhum livro, nenhum romance sobre isso. Na Europa você tem, com o clube dos haxixeiros, de Baudelaire. Não há uma defesa da inteligência brasileira. Nunca houve, nem como excentricidade de artistas, digamos. Por outro lado, tem poucas sociedades, talvez algumas orientais, Egito e Turquia, onde você tem uma penetração tão grande do cotidiano das populações, mesmo que não seja das populações ricas. E isso tem uma permanência. Aqui, ela é muito presente no cotidiano dos operários. É comum ver pessoas fumando ao sair do trabalho, parando a moto em lugares com uma vista bonita. Isso é muito presente. Mas não existe esse fenômeno de glamourização da maconha. É meio ambíguo. Não tem glamourização, mas tem uma normalização tácita do uso que é muito grande.

Nova edição de
Nova edição de “História da Maconha no Brasil” – (Editora Jandaíra/Divulgação)

Ser pouco glamourizada e consumida pela população mais pobre são elementos que contribuem para o pouco interesse da população pelo debate acerca da legalização?
É difícil dizer. Sem dúvida, essa associação entre a marginalização e a maconha não aconteceu com a cachaça, por exemplo. Era um derivativo aceito, teve campanhas de exportação, de valorização. Não houve algo semelhante com a maconha. E tem que acabar a histeria de ser Bolsonaro ou contra Bolsonaro. Perde-se a seriedade em discussões importantes, como essa.

Em tempos de divisão tão clara, um grupo se apropria de uma posição e o outro, automaticamente, fica contra.
Isso é um fenômeno mundial. E não é bom para discussões específicas, porque raramente elas são tudo ou nada. Na verdade, ela nunca é tudo ou nada. Eu não vejo agora um avanço conservador que prejudique a discussão. Ela nunca esteve na ordem do dia. Então, não é agora que estaria. Até porque há uma série de outras discussões, do ativismo do Supremo ao preço da gasolina, que são muito mais contundentes para a população hoje. E ela quer discutir como nunca antes, está mais presente. Ela não quer, e não quer faz tempo. Quem mais oportuno para lançar essa discussão que FHC? E ele não lançou. 

O livro sai em um momento em que a população demonstra maior curiosidade pelo tema. Esse movimento está ganhando força.
Sim, porque a maconha está perdendo um pouco do estigma. Poucos falam desse fenômeno, mas Estados americanos que deram a vitória ao Trump nas eleições também são a favor da legalização da maconha. Há uma parte da direita dos Estados Unidos que afirma que esse é um tema ligado à liberdade individual. Eles acreditam que se o impacto não é maior do que o do tabaco ou do álcool, por exemplo, não há motivo para proibir. Não temos isso aqui ainda, mas há sim uma curiosidade maior.

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