A morte de nove pessoas no presídio de Feira de Santana no domingo mostra que o sistema carcerário brasileiro continua o mesmo. A falência me parece não só financeira, mas de ideias. Há décadas insistimos no mesmo modelo de prisões; há décadas o modelo prova dar errado.
Pois aqui vai uma ideia nova: é preciso deixar de proibir e passar a incentivar o comércio e a propriedade privada nos presídios brasileiros.
Sabe-se pelo menos desde o Iluminismo que o comércio é uma força pacificadora. Voltaire, Montesquieu e Adam Smith acreditavam nisso. “O espírito do comércio cedo ou tarde apodera-se de todo o povo e não pode existir lado a lado com a guerra”, escreveu Kant num tratado sobre a paz. Nas últimas décadas, estudiosos de prevenção de conflitos reavivaram esse raciocínio: se países dependem demais uns dos outros, a possibilidade de uma guerra entre eles é pequena.
A teoria também vale para pavilhões de um presídio. Se presos se envolvem em trocas voluntárias, renunciam a conquistas predatórias (como invadir o pavilhão vizinho e se apropriar das posses do inimigo) em nome de ganhos repetidos do comércio com os vizinhos. A reputação, a benevolência e o respeito a contratos – três das “virtudes burguesas” – se tornam vantagens.
Alguém pode considerar um experimentalismo maluco essa ideia de levar lucro e pequenos negócios a presídios, mas isso já é realidade em muitas prisões. O melhor caso é de San Pedro, a maior prisão de La Paz (e onde ficaram aqueles corintianos acusados de matar um menino com um sinalizador). Quem estiver pela cidade e precisar cortar o cabelo pode escolher o cabeleireiro da cadeia. O visitante também pode comer nas barracas de comida e contratar serviços dos sapateiros e carpinteiros presos. Se estiver sem hotel, basta pagar cerca de 50 dólares por uma noite na prisão. Há ainda eletricistas, contadores e uma agência de turismo que organiza as visitas dos turistas.
Tudo isso é mantido pelos 1500 presos. San Pedro não tem grades nas celas. A polícia sequer entra na cadeia – apenas dois guardas fazem a segurança da porta principal, pelo lado de fora. Os presos criam as regras e resolvem conflitos sozinhos. É permitido, por exemplo, que mulheres e crianças morem dentro da cadeia. Mas é expressamente proibido discutir ou brigar perto das crianças.
A grande diferença do presídio de San Pedro é que ele tem tudo aquilo que falta na América Latina: mercado livre, respeito a contratos e segurança de propriedade. Uma pequena imobiliária, também mantida pelos presos, negocia o valor das celas. Quem não tem dinheiro dorme numa cela gratuita – quase tão ruim quanto as das prisões brasileiras. Por 1500 dólares dá pra contratar um pedreiro para reformar um espaço ou adquirir uma suíte.
Mas a liberdade de comprar e vender não é uma panaceia. A violência contra estupradores e contra quem rouba outros presos é comum em San Pedro. O lugar continua sendo uma prisão – e prisões têm entraves fundamentais para a vida em harmonia, como a impossibilidade de recusar a convivência com quem não coopera ou migrar para ambientes menos predatórios. No entanto, como diz o economista David Skarbek, professor de economia do crime organizado do King’s College, não há em San Pedro algo muito comum em outras cadeias: a exploração de um grupo mais forte sobre os mais fracos.
Em termos de reintegração social, presídios como esse saem na frente. Pouca gente discorda que presos devem trabalhar enquanto cumprem a pena – mas por que se limitar a um trabalho passivo, como cortar pedras ou capinar um terreno? Nada melhor para deixar o mundo do crime que aprender lucrar criando negócios e resolvendo problemas dos outros.
@lnarloch