Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Augusto Nunes Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
Continua após publicidade

O procurador que encontrava um culpado por semana finge que não vê bandidos há oito anos e meio

Até janeiro de 2003, o procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza encontrava um pecador por semana. Desde o dia da posse do companheiro Lula, não enxergou mais nenhum. Aos 49 anos, faz oito e meio que anda sumido do noticiário político-policial que frequentou com assiduidade e entusiasmo enquanto Fernando Henrique Cardoso foi presidente. Continua solteiro, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 11h16 - Publicado em 28 jul 2011, 15h23

Até janeiro de 2003, o procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza encontrava um pecador por semana. Desde o dia da posse do companheiro Lula, não enxergou mais nenhum. Aos 49 anos, faz oito e meio que anda sumido do noticiário político-policial que frequentou com assiduidade e entusiasmo enquanto Fernando Henrique Cardoso foi presidente. Continua solteiro, mora na casa dos pais, pilota o mesmo fusca-85, enfia-se em ternos amarfanhados que imploram por tinturarias e não usa gravata. A fachada é a mesma. O que mudou foi a produtividade.

Se o que aconteceu na Era da Mediocridade tivesse ocorrido na Era FHC, Luiz Francisco estaria encarnando em tempo integral, feliz como pinto no lixo, a figura do mocinho disposto a encarar o mais temível vilão. O Luiz Francisco reciclado quer distância de barulhos. Enquanto cardeais da igreja principal e sacerdotes do baixo clero multiplicam em ritmo de Fórmula 1 o acervo nacional de crimes, delitos, contravenções e bandalheiras em geral, ele permanece em sossego. Enquanto o país que presta pede cadeia para os quadrilheiros, ele providencia mais pedidos de licença remunerada. Todos são prontamente atendidos.

Nascido em Brasília, ex-seminarista da Ordem dos Jesuítas, ex-bancário, ex-sindicalista, Luiz Francisco cancelou a filiação ao PT em 1995, 20 dias antes de tornar-se procurador regional do Distrito Federal. ”A militância é incompatível com o cargo”, explicou. A prática trucidou a teoria: nunca militou com tamanha aplicação. Convencido de que sobrava bandido e faltava xerife, não respeitava sequer fins de semana, feriados ou dias santos. “Trabalhar é minha grande diversão”, repetia entre uma e outra denúncia.

Luiz Francisco garante que ganha pouco mais de R$ 7 mil por mês. Até que desistisse da candidatura a operário-padrão, mereceu os R$ 19 mil prometidos como salário inicial a um procurador do Distrito Federal. Nenhum outro conseguiria acusar tanta gente durante o dia e, à noite, escrever dúzias de parágrafos do livro que exigira 24 anos de pesquisas. Publicado em 2003 pela Editora Casa Amarela, “Socialismo, Uma Utopia Cristã” pretende provar, segundo o autor, que “até a metade do século XIX o socialismo exibia uma clara inspiração religiosa, especialmente cristã”. Tem 1152 páginas.

Continua após a publicidade

Deveria ter sido menos prolixo. Intrigados com o mistério da multiplicação das horas do dia, outros procuradores e todos os inimigos examinaram com mais atenção a papelada que jorrava da sala de Luiz Francisco. Aquilo não fora obra de um homem só, informaram as mudanças de estilo, a fusão de trechos corretamente redigidos com atentados brutais ao idioma, o convívio promíscuo entre substantivos em maiúsculas e adjetivos em minúsculas. E então se descobriu que o inquisidor incansável frequentemente assinava ações, denúncias e representações que já lhe chegavam prontas, enviadas por interessados na condenação de alguém.

Decidido a atirar em tudo que se movesse fora do PT, acabou baleando com denúncias fantasiosas vários inocentes. Nenhum foi tão obsessivamente alvejado quanto Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique. Em 2009, o Conselho Nacional do Ministério Público reconheceu formalmente que Eduardo Jorge, enfim absolvido das denúncias improcedentes, foi perseguido por motivos políticos e condenou o perseguidor a 45 dias de suspensão.

Em vez de provar que pelo menos uma das numerosas acusações a Eduardo Jorge fez sentido, Luiz Francisco prefere alegar que o caso está prescrito. Como violou a legislação para obedecer aos mandamentos da seita petista, recorre ao calendário gregoriano para arquivar a história que o devolveu ao noticiário no papel de culpado —pela segunda vez desde o começo da superlativa temporada de férias. A primeira está completando cinco anos.

Em 2006, o procurador que se dispensou de procurar criminosos foi procurado pelo colombiano Francisco Colazzos, o “Padre Medina”, procurado pela Justiça do país onde nasceu. O foragido apresentou a Luiz Francisco as credenciais de embaixador das FARC e pediu ajuda para escapar da cadeia. Celebrada a aliança entre o ex-sacerdote acusado de homicídio e o ex-seminarista que nunca viu um pecador do lado esquerdo, renasceu o ativista fora-da-lei, que ensinou ao parceiro a arte de safar-se de investigações policiais. Os truques só conseguiram retardar a prisão.

Continua após a publicidade

O protegido esperava na gaiola o julgamento do pedido de extradição encaminhado pela Colômbia ao Supremo Tribunal Federal quando o protetor foi à luta. Embora não tivesse nada a ver com o caso, entrou com uma ação judicial para que Colazzos fosse devolvido à Polícia Federal. A solicitação foi encampada sucessivamente pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Nelson Ferreira Junior, antes de esbarrar no ministro Gilmar Mendes.

Admoestado pelo então presidente do STF, publicamente e com aspereza, Luiz Francisco só escapou de castigos mais severos porque o Planalto nunca deixa de socorrer companheiros aflitos. Dois meses depois da tentativa de obstrução da Justiça, o governo promoveu Colazzos a guerrilheiro, concedeu-lhe asilo político e arrumou emprego para a mulher. Sem alternativa, o STF devolveu-o a liberdade.

O que mais andou fazendo Luiz Francisco para matar o tempo?, quis saber a coluna em junho passado. Uma funcionária da Procuradoria informou que não seria possível encontrá-lo. Em lugar incerto e não sabido, está gozando de mais um período de descanso remunerado.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.