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O implacável Celso Arnaldo rasga a fantasia do folião maranhense

Interrompo a série de histórias protagonizadas por presidentes da República para dar passagem ao jornalista Celso Arnaldo. O implacável caçador de cretinices pilhou em flagrante a versão carnavalesca de José Sarney. A fantasia ficou em frangalhos, como vocês verão: A Folha deste 12 de fevereiro tem José Sarney em sua melhor forma ─ comparando carnavais de outrora com […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 15h55 - Publicado em 12 fev 2010, 23h42

Interrompo a série de histórias protagonizadas por presidentes da República para dar passagem ao jornalista Celso Arnaldo. O implacável caçador de cretinices pilhou em flagrante a versão carnavalesca de José Sarney. A fantasia ficou em frangalhos, como vocês verão:

Folha deste 12 de fevereiro tem José Sarney em sua melhor forma ─ comparando carnavais de outrora com o Carnaval atual. Um Sarney surpreendente: sátiro, lascivo, fescenino, que fala em popozudas, seios à mostra, lubrificantes e “delitos pecaminosos”.

Se o político Sarney se comporta sempre como representante da mais antiga profissão da Terra, o escritor tem a eterna preocupação de ser “muderno” e atualizado. Tem terremoto no Haiti, ele logo escreve sobre o povo sofrido de lá. Em semana de Carnaval, Evoé. Mas o Carnaval descrito pelo pior escritor do mundo é, evidentemente, o pior Carnaval do mundo.

Como se sabe, nenhum texto de Sarney é Sarney puro sem o começo arrasador. Como este, de hoje:

“Eu, que estou em pleno vigor da juventude – e todos os dias os jornais, ao citarem o meu nome, revelam aos leitores essa minha fraqueza…”

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A conhecida fraqueza de Sarney há 50 anos é tungar o povo do Maranhão e mamãe eu quero mamar nos cofres públicos. “Essa minha fraqueza” relativa ao “pleno vigor da juventude” seria o quê? A tintura mal feita dos cabelos e do bigode? Os jornais falam disso sempre que citam Sarney? Nunca li. Nós aqui, talvez.

Bom, mas para falar do Carnaval de “seu tempo”, Sarney parece ter pedido emprestado uma frase à Dilma:
“O tempo bom do meu tempo era o tempo daquele tempo, que não conhecia o tempo”.

Como abono a essa afirmação eisnteiniana, ele busca a ajuda do poeta t.s eliot e aí a coisa complica de vez ─ o calendário maluco de Sarney parece extraído do almanaque Capivarol:

“Eliot, o grande e sempre louvado poeta, formulou bem esse tema, dizendo mais ou menos que o futuro é o presente, o presente é passado e presente, sendo passado e futuro tudo presente. Difícil de entender, mas bonito de ler, no texto original ou na belíssima tradução de Ivan Junqueira”.

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Modesto, o Sarney. Não é difícil de entender – mas rigorosamente impossível. Se Eliot formulou bem esse tema, não foi desse jeito – nem o Ivan Junqueira traduziu Eliot para essa maçaroca. O próprio Sarney, a bem da verdade, reconhece que sua versão é “mais ou menos”.

Quer conhecer as palavras originais de Eliot que Sarney interpretou ao estilo do pior escritor do mundo?

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.

Agora faz sentido? Perto de uma frase de Sarney, qualquer coisa faz sentido.

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Mas Sarney logo abandona a preocupação filosófica e cai na gandaia. Não vou me prolongar na folia do velhaco, mas destaco algumas alegorias fenomenais do texto publicado hoje:

“…as batalhas de confete e o entrudo, que era a imbecil brincadeira de um sujar o outro”.
A bem da verdade, esse tipo de entrudo hoje só é praticado pelos imbecis em Brasília. Mas Sarney não liga para a sujeira que respinga nele.

“Outros reclamam do cheiro de urina dos foliões apertados pelas latas de cerveja”.
Imagine a cena: pessoas soterradas por latinhas de cerveja se aliviando ali mesmo.

Apesar desses percalços, e sempre up to date, “em pleno vigor da juventude”, Sarney se assanha mesmo é com o Carnaval de hoje:
“…desfile puro e esplendoroso das mulatas, loiras, morenas sem vestidos, seios à mostra, além das partes que têm vida própria, pululam e que são vistas quando passam popozudas”.

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No desfile da Acadêmicos de Sarney, como se nota, a ala das bundonas é destaque.

Mas é na frase seguinte que Sarney, com seus inesgotáveis recursos estilísticos, melhor define as passistas de hoje:

“Tudo belo, a frente e o atrás”.

Nenhum usuário da língua portuguesa conseguiria descrever o traseiro de uma passista como “o atrás”. Só Sarney. Nos bons tempos, em sua garçoniére, ele fazia sucesso quando dizia à convidada, poeticamente: “Você está com um atrás que é uma beleza”.

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O mestre-sala do Senado confessa então que ama muito tudo isso:
“Bendito Carnaval do presente, quando ninguém tem de temer nada nesse jogo de Adão e Eva, porque o nosso Ministério da Saúde já se encarregou de distribuir camisinhas, com lubrificantes e antissépticos”.

Com que então, o velho Sarney aprova o sexo casual – desde que com jaquetinha, vaselina e Polvilho Antisséptico Granado? Uma dúvida: o que seria exatamente um “jogo de Adão e Eva”? O homem pelado, a mulher pelada, comendo maçã do amor?

Já o Carnaval de ontem não deixou boas lembranças no velho folião:
“Ora bolas para o passado (…) com aqueles colares havaianos que, suados, manchavam as roupas. E o mais difícil: homens para um lado, mulheres para outro, só olhares e desejos. Quando muito um aperto de mão acochado e um sarrafo leve de corpo com corpo”.

Pensando bem: um Carnaval em que colares havaianos suavam, mãos acochavam e corpos se sarrafavam não devia ser de todo ruim.

José Sarney: nós te conhecemos de outros carnavais.

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