O castigo finalmente chegou para os poderosos assassinos de Unaí
Nesta sexta-feira, 30 de outubro, o Tribunal do Júri de Minas Gerais condenou a penas que somam quase 200 anos de prisão o fazendeiro Norberto Mânica — 100 anos de cadeia — e o empresário cerealista José Alberto de Castro — 96 anos, dez meses e 15 dias. A dupla é acusada de ser a […]
Nesta sexta-feira, 30 de outubro, o Tribunal do Júri de Minas Gerais condenou a penas que somam quase 200 anos de prisão o fazendeiro Norberto Mânica — 100 anos de cadeia — e o empresário cerealista José Alberto de Castro — 96 anos, dez meses e 15 dias. A dupla é acusada de ser a mandante dos assassinatos dos auditores fiscais Nelson José da Silva, João Baptista Lages e Erastótenes de Almeida Gonçalves, e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, fuzilados em 28 de janeiro de 2004 dentro de uma caminhonete do Ministério Público Federal enquanto trabalhavam.
O também fazendeiro e irmão de Norberto, Antério Mânica, e o cerealista Hugo Pimenta, serão julgados respectivamente em 4 e 10 de novembro. Os executores do crime, Rogério Allan Rocha Rios, Erivaldo Vasconcelos Silva e Willian Gomes de Miranda cumprem, desde 2013, penas que variam de 56 a 94 anos de prisão. Cada um teria recebido R$ 39 mil pelo assassinato.
No post republicado abaixo, “A bandidagem enquadrou os xerifes”, de 7 de maio de 2009, a seção O País Quer Saber contou detalhes do crime que ficou conhecido como a Chacina de Unaí. Passados quase 12 anos, a coluna comemora a condenação dos culpados.
Melhor tentar a fortuna em Minas Gerais, decidiram em 1978 os quatro irmãos descontentes com a rotina sem horizontes no Paraná. Lá sobrevivia desde o final do século 19 a família Manica, formada por imigrantes italianos e seus descendentes. Dali partiram Antério, Luiz Antônio, Celso e Norberto na carroçaria de um caminhão. A viagem terminou em Unaí, fundada em 1943, a 165 quilômetros de Brasília e a 350 de Belo Horizonte. Acampados em barracas meses a fio, trabalharam na lavoura até comprarem um punhado de alqueires. Para que os nativos soubessem como era a pronúncia do sobrenome proparoxítono, só precisaram de um circunflexo sobre a primeira vogal. Para que soubessem o que sabem hoje, precisaram de tempo, terras e tragédias.
No início deste século, todos sabiam que a família Mânica era mais rica e mais poderosa que qualquer outra de Unaí. E conseguira incorporar-se à tribo dos condenados à eterna impunidade, sabiam em 2003 quase todos os habitantes. Só pareciam ignorar quem mandava no lugar três fiscais do Ministério do Trabalho ─ Nelson José da Silva, João Baptista Lages e Erastótenes de Almeida Gonçalves ─ e o servidor federal Ailton Pereira de Oliveira, motorista do carro usado para as inspeções. Por acreditarem que todos são iguais perante a lei, passaram a multar regularmente grandes fazendeiros. Por entenderem que alguns são mais iguais que os outros, os punidos condenaram à morte os homens da lei.
Em 28 de janeiro de 2004, os três fiscais e o motorista foram assassinados a tiros numa estrada de terra. Capturados pela Polícia Federal em 27 de julho, integrantes do grupo de extermínio revelaram que haviam agido a mando de proprietários rurais liderados por Norberto Mânica, o “Rei do Feijão”, e Antério Mânica, já em campanha para incorporar a prefeitura ao patrimônio da família.
Estuprador confesso da legislação trabalhista, chefe regional da campanha pela extinção da carteira de trabalho, devoto de usos e costumes que deixariam ruborizado um escravocrata do Primeiro Império, Norberto vinha sendo punido com multas quie somavam R$ 2 milhões em janeiro de 2004. Aquilo não ficaria assim, avisou o rei do feijão. Não ficou, confirmou o massacre. Preso em agosto, teve a solidão abrandada em setembro com a chegada do irmão. Apoiado por uma coligação que juntou o PSDB ao PT, pelo governador Aécio Neves e pelo vice-presidente José Alencar, Antério já era o prefeito eleito (com 72% dos votos) ao sair da cadeia em novembro. Ficara mais popular durante a temporada na gaiola.
O assombro provocado pela chacina induziu o Ministério da Justiça a criar em fevereiro de 2004 uma força tarefa composta por integrantes do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da polícia civil e da Polícia Militar de Minas. As investigações foram bem até a identificação dos mandantes. Ficou comprovado que o carro usado pelos assassinos pertencia a Antério. Os depoimentos permitiram reconstituir a reunião que aprovou a condenação à morte e detalhou a metodologia da execução. Mas o processo continua longe do fim.
Norberto está em liberdade desde dezembro de 2004. Como o irmão Antério e o fazendeiro José Alberto Costa, que contratou os executores, desfrutam em casa do direito a foro privilegiado. Continuam presos um dos mandantes, Hugo Pimenta, e os assassinos Francisco Pinheiro, Erinaldo de Vasconcelos Silva, Rogério Alan da Rocha Rios e William Gomes de Miranda. Não demorarão a voltar às ruas. Em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal de Minas teve de pedir a libertação de Humberto Ribeiro dos Santos, encarregado de apagar as provas do crime.
“Com o transcorrer dos anos, sem a realização do julgamento dos acusados, inevitavelmente ocorre a chamada prescrição”, lastimou a procuradora Mirian Moreira Lima. “Na Justiça Federal, em Belo Horizonte, a tramitação do processo foi reconhecidamente célere. Somente as sucessivas interposições de recursos pelos réus, todos julgados improcedentes, é que vem dando motivo para o atraso do julgamento pelo Tribunal do Júri. Entendo lamentável a ocorrência da prescrição em crimes dessa natureza, com significativo prejuízo à própria sociedade”.
As famílias de cada assassinado receberam do governo federal de R$ 200 mil. Nenhum parente dos mortos continua em Unaí. Antério Mânica foi reeleito em outubro passado. Já avisou que quer ser deputado.