Não é a chuva que deve ir para a cadeia
TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA Marcos Sá Corrêa Das surpresas do clima, quem pode falar por todos os políticos com conhecimento de causa são os faraós egípcios. Eles, como o ex-presidente Lula, agiam como enviados do céu à Terra. E, ao contrário do ex-presidente Lula, não falam desde que saíram de cena, a não […]
TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA
Marcos Sá Corrêa
Das surpresas do clima, quem pode falar por todos os políticos com conhecimento de causa são os faraós egípcios. Eles, como o ex-presidente Lula, agiam como enviados do céu à Terra. E, ao contrário do ex-presidente Lula, não falam desde que saíram de cena, a não ser por intermédio de escribas e hieróglifos.
Mas, como encarnações do Sol, se o Sol fracassava lá em cima, eram arrancados do trono cá embaixo, surrados e cuspidos no fundo do Nilo. Tudo porque o rio deixava de inundar o delta que nutria seu reino agrícola. Lá, o regime político mudava conforme o regime do rio. Tornava-se violento e insurreto até o Nilo voltar à normalidade, irrigando uma nova dinastia.
As vítimas dessas tragédias políticas e climáticas não tinham, na época, como saber que as cheias do Nilo eram regidas pelas chuvas de monção do Sudeste Asiático, que por sua vez dependiam de ventos conjurados pela temperatura das águas no Oceano Pacífico, do outro lado da terra, na costa da América do Sul, um lugar mais distante que o Sol do cotidiano egípcio.
O culpado da desordem era um fenômeno natural que só entrou há duas décadas no noticiário internacional, com o nome de El Niño. Mas deixar o clima fazer seus estragos à solta, em Tebas ou Mênfis, tinha custo político, porque da regularidade do rio dependiam vidas humanas. O preço era injusto, cruel e exorbitante. Como é injusto, e talvez seja também cruel e exorbitante, que hoje não se processe no Brasil, por homicídio culposo, o político que patrocina baixas evitáveis e supérfluas em encostas carcomidas e vales entulhados por ocupações criminosas.
No dia em que um prefeito, olhando as nuvens no horizonte, enxergar a mais remota possibilidade de ir para a cadeia pelas mortes que poderia impedir e incentivou, as cidades brasileiras deixariam aos poucos de ser quase todas, como são, feias, vulneráveis e decrépitas. De graça ou com o dinheiro virtual do PAC, os políticos não consertarão nunca a desordem que os elege.
Não adianta ameaçá-los com ações contra o Estado ou a administração pública, porque o Estado e a administração pública, na hora de pagar a conta, somos nós, os contribuintes. O remédio é responsabilizar homens públicos como pessoas físicas pelos crimes que cometem contra a vida. Às vezes em série, como acaba de acontecer na região serrana do Rio de Janeiro.
O resto é conversa fiada. Ou, pior, papo de verão em voo de helicóptero, que nessas ocasiões poupa às autoridades até o incômodo de sujar os sapatos na lama. Pobres faraós. O longo e virtuoso o caminho civilizatório que nos separa de seu linchamento está nos levando de volta à impunidade anárquica das entressafras dinásticas, quando a favelização lambia até as suntuosas muralhas de Luxor.
Linchar um político não é a mesma coisa que malhar seus projetos. E os brasileiros estão perdendo mais uma chance de bater com força no projeto de lei número 1876/99, que o deputado Aldo Rabelo transfigurou, para enquadrar o Código Florestal nos princípios do fato consumado. Ele reduz à metade as áreas de preservação em margens de rio, dispensa da reserva legal propriedades pequenas ou médias e consolida os desmatamentos ilegais. Nunca foi tão fácil saber aonde ele quer chegar, folheando as fotografias aéreas das avalanches em Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Dá para ver nas imagens o que havia antes nos pontos mais atingidos. É o que o novo Código Florestal vai produzir no campo. Mais disso.
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“Brasil não é Bangladesh. Não tem desculpa”
ENTREVISTA PUBLICADA NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA
“O Brasil não é Bangladesh e não tem nenhuma desculpa para permitir, no século 21, que pessoas morram em deslizamentos de terras causados por chuva.” O alerta foi feito pela consultora externa da ONU e diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres, Debarati Guha-Sapir. Conhecida como uma das maiores especialistas no mundo em desastres naturais e estratégias para dar respostas a crises, Debarati falou ao Estado e lançou duras críticas ao Brasil. Para ela, só um fator mata depois da chuva: “descaso político.”
Como a senhora avalia o drama vivido no Brasil?
Não sei se os brasileiros já fizeram a conta, mas o País já viveu 37 enchentes, em apenas dez anos. É um número enorme e mostra que os problemas das chuvas estão se tornando cada vez mais frequentes no País.
O que vemos com o alto número de mortos é um resultado direto de fenômenos naturais?
Não, de forma alguma. As chuvas são fenômenos naturais. Mas essas pessoas morreram, porque não têm peso político algum e não há vontade política para resolver seus dramas, que se repetem ano após ano.
Custa caro se preparar?
Não. O Brasil é um país que já sabe que tem esse problema de forma recorrente. Portanto, não há desculpa para não se preparar ou se dizer surpreendido pela chuva. Além disso, o Brasil é um país que tem dinheiro, pelo menos para o que quer.
E como se preparar então?
Enchentes ocorrem sempre nos mesmo lugares, portanto, não são surpresas. O problema é que, se nada é feito, elas aparentemente só ficam mais violentas. A segunda grande vantagem de um país que apenas enfrenta enchentes é que a tecnologia para lidar com isso e para preparar áreas é barata e está disponível. O Brasil praticamente só tem um problema natural e não consegue lidar com ele. Imagine se tivesse terremoto, vulcão, furacões…

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