Marcos Troyjo: O discreto charme de Temer na ONU
Reaproximar o discurso brasileiro da dimensão — infelizmente diminuída — que o país hoje representa no cenário Internacional é de um realismo saudável
Em fins dos anos 1990, quando servi como diplomata na Missão do Brasil junto à ONU, em Nova York, coube a mim preparar um discurso a ser apresentado num comitê para a reforma da Carta das Nações Unidas.
Naquela ocasião, recém-instalado em nossa representação perante o principal organismo do sistema multilateral, dediquei-me com diligência à redação da minuta. Busquei, em minha inocência, ser minimamente criativo e fugir do estilo modorrento e inofensivo dos pronunciamentos que se fazem na ONU.
Não tive sorte. Meu chefe à época não gostou do texto. Argumentou que fugia à nossa tradição. Pediu-me que fizesse um “copiar-colar” do discurso que o Brasil apresentara no mesmo comitê no ano anterior.
Sem ousar, ninguém se machuca. E isso permite o equilíbrio inercial que em grande medida delimita a dificuldade da ONU, uma instituição que já conta sete décadas, em adaptar-se ou, mais ambiciosamente, moldar o contexto global.
Reaproximar o discurso brasileiro da dimensão —infelizmente diminuída— que o país hoje representa no cenário Internacional é de um realismo saudável. E transmite a correta percepção de que o imenso potencial brasileiro nada garante —tudo está, também na esfera da política externa, por construir.No discurso com que abriu os debates da Assembleia Geral da ONU, Michel Temer não foi ousado. Abordou esses temas que inercialmente figuram nos pronunciamentos brasileiros. No entanto, foi sóbrio, discreto. Conseguiu, com elegância, descalçar a bota da retórica grandiloquente e de liderança autoatribuída da política externa de Lula-Dilma.
O melhor exemplo disso no discurso foi associar o êxito da responsabilidade social não à “vontade política”, mas à responsabilidade fiscal. Temer não terceirizou a culpa da esquálida performance econômica do Brasil a um cenário internacional adverso.
O presidente referiu-se ao país, de maneira justa, como a superpotência ambiental que é —e portanto peça indispensável em qualquer tabuleiro onde se discuta o desenvolvimento sustentável.
Sublinhou a experiência de sucesso na criação de um programa de contabilidade de controle de materiais nucleares —realizado de mãos dadas com a Argentina nas últimas décadas— que permitiu ao Atlântico Sul tornar-se das poucas regiões desnuclearizadas do planeta, e de fato oferece um bom referencial para a comunidade internacional.
Falou, com satisfação, do início de uma dinâmica de resgate de Cuba do isolamento; da pacificação interna na Colômbia; dos entendimentos que enquadraram o programa nuclear iraniano. Mas o fez sabendo que o Brasil, em todos esses acontecimentos, tem sido apenas espectador.
À rudeza dos delegados bolivarianos na plenária, que tiveram a descortesia de sair da sala durante o discurso do chefe de Estado brasileiro, respondeu classificando como “natural e salutar” a coexistência de diferentes inclinações políticas dos governos latino-americanos. Ao sublinhar o compromisso inegociável do Brasil com a democracia, indicou com precisão o caráter legal e legítimo do impedimento de sua antecessora.
Temer relacionou, com acerto, o desafio do desenvolvimento à expansão do comércio. Também mostrou, como é correto observar, o parentesco demagogia-protecionismo. Argumentou, literalmente, que “em cenários de crise econômica, o reflexo protecionista faz-se sentir (…) O protecionismo é uma perversa barreira ao desenvolvimento. Subtrai postos de trabalho e faz de homens, mulheres e famílias de todo o mundo —Brasil inclusive— vítimas do desemprego e da desesperança”.
Aqui, o presidente contou apenas parte da história, e o discreto charme de sua passagem pela ONU não impediu que ele soasse propositadamente superficial. Apenas para ficar no segundo pós-guerra, é óbvio que o mundo oscilou entre mais ou menos protecionismo. Isso por acaso inviabilizou a ascensão de países como China, Chile ou Coreia do Sul?
A propósito, quando clamou por um comércio internacional mais livre em seu discurso, Temer fez apenas referência ao setor agrícola. Deixou de lado todo o resto da atividade econômica em que o Brasil é um dos países menos abertos do mundo.
Uma excelente radiografia do ensimesmamento comercial brasileiro nos é oferecida por Edmar Bacha no “Valor” na semana passada. O economista aponta que, com base em dados de 160 nações de que dispõe o Banco Mundial, os míseros 14% que as importações representam no PIB brasileiro fazem com que apenas Nigéria e Sudão possam ser considerados mais fechados do que o Brasil.
Nos dias que antecederam sua ida à ONU, cresceram as críticas de que a diplomacia de Temer tão somente se preocupa com temas comerciais.
É impossível, contudo, não eleger o aumento da participação brasileira no comércio internacional como topo da prioridade de nossa estratégia de inserção global. E disso, na ONU, o presidente falou pouco.