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Augusto Nunes

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J.R. Guzzo: ‘Vinagre com espinho’

Publicado na edição impressa de VEJA J.R. GUZZO Eu hoje estou pulando como sapo Pra ver se escapo Desta praga de urubu (Noel Rosa) Eis aí onde veio parar, em apenas dois meses de segundo mandato e exatamente como tinha de acontecer, o governo da presidente Dilma Rousseff – ficou sem roupa, como no samba […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 01h53 - Publicado em 14 mar 2015, 12h28

Publicado na edição impressa de VEJA

J.R. GUZZO

Eu hoje estou pulando como sapo
Pra ver se escapo
Desta praga de urubu
(Noel Rosa)

Eis aí onde veio parar, em apenas dois meses de segundo mandato e exatamente como tinha de acontecer, o governo da presidente Dilma Rousseff – ficou sem roupa, como no samba de Noel, e agora está aí, todo santo dia, pulando dos desastres de ontem para os desastres de hoje, e já apavorado com os que virão amanhã. O último infortúnio a entrar em cena é essa lista do procurador-geral Rodrigo Janot, pedindo que o Supremo Tribunal Federal autorize a abertura de inquérito contra 54 políticos e agregados suspeitos de envolvimento na corrupção histórica da Petrobras – calamidade destinada a tornar-se, por sinal, o centro da biografia de Dilma e de sua passagem pela Presidência da República.

A coisa toda, agora, entra na geringonça que é o aparelho judicial brasileiro – e ali ficará sendo mastigada sabe-se lá até quando, com a produção permanente de material tóxico. Já começou: bem na hora em que a lista era entregue, o presidente do Senado, Renan Calheiros, até há pouco o amigo-parceiro-irmão-camarada do Planalto, recusou-se a colocar em votação uma “medida provisória” do governo para aumentar impostos, e aproveitou a oportunidade para dizer que Dilma desrespeita o Congresso e o estado de direito.

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Saco de pancadas durante anos a fio, o senador virou automaticamente um herói do Parlamento; hoje em dia, pelo visto, basta bater na presidente para construir uma reputação instantânea. Pouco antes disso, ela já fora infernizada por seu próprio ministro da Fazenda – que considerou “brincadeira de mau gosto” decisões econômicas tomadas no primeiro mandato. É preciso ficar pulando o tempo inteiro, realmente, para esconder-se de uma fuzilaria dessas. O governo se pergunta: “Onde está o chão?”. Ninguém sabe.

“Deu a lógica”, como se dizia antigamente no turfe: no fim das contas, sempre acaba perdendo quem não poderia mesmo ganhar. Ao longo dos últimos anos, e principalmente dos últimos meses, a presidente foi montando, com tenacidade de monge beneditino, uma pane geral no sistema de funcionamento do seu governo. Não perdeu praticamente nenhuma oportunidade de errar.

Passou a dizer coisas cada vez mais incompreensíveis – em seu último surto, dias atrás, veio com uma alarmante história de galáxias no Rio de Janeiro, ou algo assim. Levou as contas do país para o bico do corvo. Transformou em déficit tudo o que era superávit, e desenvolveu uma técnica invencível para trocar abundância por escassez. Consegue, ao mesmo tempo, aumentar os impostos e diminuir a arrecadação.

Socou um aumento de até 45% nas contas de luz, e outro nas bombas de combustível. Pode ter pela frente uma crise no abastecimento de energia, e mais um monte de outras, e não tem a menor noção do que fazer em relação a nenhuma delas. Conseguiu brigar com a Indonésia. Pode dar certo um negócio desses? Não pode. Deu a lógica.

A praga de urubu que atormenta Dilma nestes dias de vinagre e de espinhos, e que veio como consequência inevitável dos atos que ela mesma praticou, já seria ruim o bastante se ficasse limitada à sua falta de aptidão, de conhecimentos e de equilíbrio para governar. Mas o pior, provavelmente, é a escolha fatal que fez – amarrada ao ex-presidente Lula e ao PT, jogou-se na maior campanha pró-corrupção já vista na história do Brasil.

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Seja lá qual for o destino dos políticos da “Lista de Janot”, ora entregues aos vagares do STF, é esse o fato número 1 da vida pública brasileira de hoje. A defesa da corrupção está nos fatos. Dilma é a favor de um tenebroso “acordo de leniência” com as empreiteiras metidas no assalto aos cofres da Petrobras – trata-se, muito simplesmente, de livrar as empresas de punição nos processos em andamento na Justiça. Quem protege o mal é cúmplice do mal – o que seria, então, se não fosse isso?

A presidente nos pede que acreditemos que advoga em favor das empreiteiras para garantir “empregos” e continuar “obras”. Ficamos assim, nesse caso: ela está dizendo que o Brasil precisa de corrupção para gerar empregos e obras públicas. Não é só isso. O ministro da Justiça passou a fazer parte da equipe de defesa das empresas. O advogado-geral da União dá consultoria para deputados do PT enrolados no petrolão. Seu relator na CPI recém-aberta para investigar o escândalo, um despachante do Palácio do Planalto, já começou tentando melar os trabalhos – sua primeira ação foi pedir investigações sobre o “governo anterior”.

É mais um acesso na paixão oficial por chamar a população de idiota: a CPI foi instalada para apurar o roubo deste governo, e não do de Fernando Henrique, ou do regente Feijó. Dilma chefia a campanha ao lado de Lula; tristemente, a caminho dos 70 anos e com mais de quarenta de carreira política, ele está acabando assim, como um advogado de milionários e burocratas corruptos. Nada de bom pode sair disso tudo.

Quanto à praga de urubu, o jeito é torcer para que ela passe. O sapo somos nós.

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