Imagens em Movimento: Depois da catástrofe
SYLVIO ROCHA Os antigos tinham medo da fotografia por acreditar que ela poderia aprisionar a alma. De certa forma, isso não deixa de ser verdade. Ao observarmos a imagem em movimento podemos concluir que ela é capaz de trazer de volta o passado, funcionando como uma espécie de túnel do tempo. A câmera guarda a […]
SYLVIO ROCHA
Os antigos tinham medo da fotografia por acreditar que ela poderia aprisionar a alma. De certa forma, isso não deixa de ser verdade. Ao observarmos a imagem em movimento podemos concluir que ela é capaz de trazer de volta o passado, funcionando como uma espécie de túnel do tempo. A câmera guarda a vida. E pode ressuscitar os mortos ─ diante da lente, eles se movem, sorriem, brincam e falam. É possível até sentir seus odores através da tela.
O filme da semana passada revelou a beleza de uma das maiores cidades dos Estados Unidos na época, a inexistência de regras no trânsito, a elegância dos trajes, a fartura de edifícios e a onipresença da carruagem. Muitos comentaristas enviaram sugestões, críticas e observações. Por isso, este texto irá discorrer sobre o mesmo tema.
Pouco se sabia sobre o filme dos irmãos Miles além do que se via na tela. Acreditava-se que fora feito em 1905, até que o pesquisador David Kiehn, intrigado com as imagens, assumiu o papel de arqueólogo cinematográfico. Ao analisar indícios climáticos (as poças d’água, por exemplo), placas de carros (ano de licenciamento) e jornais da época, descobriu que aquela preciosidade havia sido filmada quatro dias antes do grande terremoto de 1906. A partir daí, a relevância do filme foi exponencialmente ampliada.
O vídeo abaixo (enviado pela comentarista Giovana) não teve a mesma sorte e continua com boa parte de sua história desconhecida. As cenas foram gravadas alguns dias depois da catástrofe e, assim como no filme anterior, filmadas na mesma Market Street. Nessa nova versão, o cinegrafista anônimo – que pode muito bem ter sido um dos irmãos Miles – colocou a câmera na frente de um automóvel. O percurso é o mesmo e nos dá a dimensão da tragédia: 80% da cidade foi destruída, 3 mil pessoas morreram e mais da metade ficou sem ter onde morar.
O filme que mostra apenas as imagens da destruição é embalado pela melancólica Adágio, de Samuel Barber. O segundo vídeo deste post compara quadro a quadro o antes e o depois do terremoto sob a trilha sonora de Strange Rapture, composta por John Caçavas.
Dessa vez, a vida continua a passar na frente da câmera, mas sem a mesma alegria e elegância de antes. O que permanece é a importância histórica.