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Fernando Gabeira: Em todas as vezes, o fogo

É hora de compreender a violência urbana não só nas ruas, mas em suas articulações com um sistema penitenciário em crise

Por Branca Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 22h07 - Publicado em 12 ago 2016, 16h48

Publicado no Estadão

É arriscado funcionar como um detector de fumaça num momento de alegria e emoção que envolve o País. Mas há fogo intenso na Amazônia, que vive uma seca brava. E houve muito fogo no Rio Grande do Norte, com ônibus e instalações sumindo nas labaredas.

No caso da Amazônia, já tivemos condições de conter o crescimento de incêndios. Depende também de um esforço coordenado do governo. E ele deveria examinar onde falhou. Já o episódio do Rio Grande do Norte, com mais de cem ataques e a presença da Força Nacional, é um sintoma de que, na crise do sistema penitenciário, continuamos sem saída, apenas empurrando com a barriga.

Já é difícil falar do sistema penitenciário em tempos normais. No auge de uma Olimpíada, os incêndios no Nordeste parecem ser num outro país. As atenções estão voltadas para a Olimpíada, a própria imprensa está concentrada nos Jogos, como todo o aparato de segurança. No entanto, os incêndios revelam um padrão inquietante. Nasceram de ordens das cadeias, tal como no Rio, em São Paulo, Santa Catarina, Maranhão.

Todos sabem que o sistema penitenciário está em crise. E agora percebem que grande parte dos líderes do crime organizado opera de dentro das cadeias. Existe uma espécie de ilusão nacional de que, uma vez condenando e prendendo as pessoas, tudo está resolvido. A sociedade não se interessa por presídios, os juízes cuidam de novas sentenças, os advogados se afastam gradativamente. E a polícia lava as mãos, satisfeita.

Claro que os presídios precisam melhorar, mas mesmo quando estiverem melhores é ingenuidade supor que os presos não continuem a cometer crimes dentro da cadeia. A Inglaterra, por exemplo, desenvolveu inúmeros trabalhos de inteligência e prevenção dentro de presídios. Estamos no estágio ainda de bloquear ou não celulares. Mas não há inteligência nem cuidados preventivos.

Num momento como este, de quebradeira, parece um luxo falar em investir em prevenção do crime dentro das cadeias. Mas os motins quase sempre terminam com destruição de equipamentos e instalações. E nos incêndios nas ruas, com prejuízos para todos. Compreendo que todos estivessem focados na Olimpíada. Mas os deputados estavam à toda. Já nem se movem mais para conflitos e presídios, talvez com medo de ficar por lá.

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Se houvesse um sistema nacional de relatórios diários sobre as principais cadeias e um grupo analisando esses dados, creio que parte dos motins seria evitável. Às vezes acontecem depois de um prolongado período de reclamações sobre comida estragada. Os funcionários de presídios não precisariam escrever, apenas responder a um amplo questionário.

No caso do Rio Grande do Norte, às vésperas do bloqueio dos celulares, seria possível aconselhar a monitorá-los um pouco, traçar um quadro de suas conexões. Reconheço que falar é fácil depois que acontece. Mas com um sistema de vigilância de pé, quando acontece é possível ao menos uma referência para a crítica.

Em vários Estados o processo suplantou a polícia local, foi preciso a intervenção da Força Nacional e do Exército, isso num momento em que está tudo orientado para a segurança da Olimpíada.

Embora nunca se divulguem as cifras com clareza – mesmo porque ninguém pergunta –, esses movimentos são caros. Em termos puramente econômicos, o crime liderado por presidiários nos impõe pesadas perdas. São coisas que, calculando na ponta do lápis, mesmo abstraindo os fatores humanos, acabam sendo muito mais custosas para o País do que enfrentamento direto do problema, ainda que investindo algum dinheiro.

Leio no belo livro Brasil, uma Biografia, de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, que os portugueses pouco se importavam com a situação dos escravos que transportavam. Perdiam 10% de sua carga humana, o que era considerado pelos franceses como um índice de epidemia. Pensei: se os portugueses investissem um pouco mais na alimentação dos escravos, talvez conseguissem um melhor resultado econômico. E, sobretudo, poupariam muitas vidas.

Empurrar com a barriga, recusar-se a enfrentar uma reforma, não é a melhor tática. Perdemos vidas, dinheiro.

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Criar condições dignas de prisão é apenas um dos caminhos. Depende de recursos, reorganização geral. Há muita gente nas cadeias e muita gente com mandato de prisão nas ruas. Na velha lógica da gafieira, quem está dentro não sai, quem está fora não entra, dificilmente vamos encontrar o equilíbrio.

Mas é preciso ir um pouco além. O comando do crime organizado está em grande parte nas cadeias. O esforço policial, pelo menos teoricamente, está concentrado nas ruas.

O episódio do Rio Grande do Norte foi engolido pela Olimpíada. Revoltas semelhantes também foram esquecidas. No momento, não vejo o governo tentando ligar as pontas, compreender a dimensão nacional do problema. Ele espera que alguma coisa estoure nos Estados e vai socorrer quando as coisas escapam ao controle da polícia. Parece que ministros da Justiça ignoram a realidade das cadeias.

Outro dia, pesquisando sobre violência em Paraty, constatei que as facções criminosas na pequena cidade histórica foram organizadas por gente que passou por presídios do Rio e, ao voltar à liberdade, dividiu as regiões de influência e criou suas facções criminosas. Eles aprenderam na cadeia. Assim os vários presídios estão aprendendo uns com os outros e aterrorizando as ruas. Mas o que é que o governo aprendeu? É hora de compreender a violência urbana não só nas ruas, mas em suas articulações com um sistema penitenciário em crise.

A longa crise política dificultou o debate. Os ministros da Justiça eram escolhidos para defender um governo cambaleante. O atual está concentrado na Olimpíada, falando de terroristas e redes sociais. Quando tudo isso passar e ele examinar bem o que aconteceu no Rio Grande do Norte e compreender o susto que passamos, pode tomar alguma iniciativa. Será um legado indireto da Olimpíada.

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