Editorial do Estadão: A educação precisa de diálogo
Entre as medidas que devem ser discutidas estão a substituição da isonomia salarial por um sistema de remuneração e a revogação dos entraves jurídicos
Depois de o Ministério da Educação ter contingenciado 30% dos recursos das universidades federais, o que levou a manifestações contra cortes de gastos em todo o País há um mês, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou o bloqueio de 6,1 mil bolsas de mestrado e doutorado, causando perplexidade nos programas de pós-graduação.
Segundo a Capes, serão congeladas bolsas para cursos cujos processos seletivos ainda estão em andamento. Com isso, os bolsistas atuais não serão afetados. Contudo, assim que concluírem seus cursos, 70% das vagas a eles atribuídas não serão oferecidas a novos bolsistas. A Capes também anunciou o congelamento de quase 20% das vagas do Programa Institucional de Internacionalização, que contempla pesquisadores brasileiros que vão para o exterior e pesquisadores estrangeiros que vêm para o Brasil. “Se houver melhoria na situação do País, parte disso pode ser revertido. Em contrapartida, se houver uma piora, novas medidas de contenção poderão ser estudadas”, afirma o diretor de Gestão da Capes, Anderson Rocha.
O contingenciamento dos recursos das universidades federais de ensino técnico foi feito de modo linear, atingindo projetos que estavam começando a ser implementados e comprometendo projetos que já estavam quase em fase de conclusão. Como lembram as associações de professores e diretórios estudantis, que já pediram à Justiça Federal a suspensão do contingenciamento, além da falta de dinheiro para gastos de custeio, o planejamento das atividades de ensino e pesquisa para 2019 e 2020 também foi afetado, inviabilizando a instalação de equipamentos modernos já adquiridos.
O que reitores, professores, pesquisadores e estudantes se esquecem, no entanto, é de que a situação financeira da União é crítica e que o contingenciamento foi uma espécie de sacrifício para resguardar o futuro. Em outras palavras, os cortes de recursos inviabilizarão os resultados esperados e desejáveis neste e no próximo ano, é certo. Mas, se nada fosse feito agora, o problema se agravaria nos próximos anos, pondo em risco a própria continuidade da rede de universidades federais.
Por isso, em vez de judicializar o contingenciamento, como fizeram entidades de docentes e estudantes, ou de acusar reitores de terem sido coniventes com a conversão de seus campi em “local de balbúrdia”, como fez o ministro Abraham Weintraub, o mais sensato seria um diálogo de alto nível entre todos para discutir um novo modelo de financiamento das instituições públicas de ensino. Como no curto prazo não há perspectiva de retomada do crescimento nem de solução para a crise fiscal, o diálogo permitiria corrigir distorções, aumentar a produtividade e evitar que apropriação de recursos escassos por grupos de interesse formados dentro das universidades.
Uma medida que pode e deve ser discutida é a substituição da isonomia salarial por um sistema de remuneração que estimulasse os professores a se manter atualizados e publicar artigos científicos em revistas de prestígio e com conselhos de arbitragem. Outra medida é a revogação dos entraves jurídicos que dificultam a prestação de serviços de consultoria para empresas, a organização de cursos pagos de curta duração e de aperfeiçoamento. Uma terceira medida é definir o orçamento de cada universidade com base nos resultados apresentados.
Comparativamente, o Brasil já gasta muito em educação — 6% do Produto Interno Bruto, ante 5,5% dos países desenvolvidos. Mas a gestão do sistema educacional é ineficiente e a aprendizagem continua medíocre. Se a discussão sobre um novo padrão de financiamento para as universidades públicas não for promovida, a qualidade do ensino superior custeado pelo Estado permanecerá — com ou sem contingenciamentos — abaixo dos padrões mínimos necessários para uma economia competitiva e capaz de ocupar mais espaços no mercado mundial.