A noite em que Aureliano Chaves quis sair no braço com quatro jornalistas da revista Veja (fim)
A tempestade amainou, mas pode recrudescer a qualquer momento, alerta a previsão do tempo no apartamento de Aureliano Chaves. A respiração está mais compassada, mas o vice-presidente continua mirando os jornalistas da revista VEJA com cara enfezada. E as pupilas se dilatam ameaçadoramente quando o olhar enquadra o repórter A.C. Scartezini. José Roberto Guzzo, Elio […]
A tempestade amainou, mas pode recrudescer a qualquer momento, alerta a previsão do tempo no apartamento de Aureliano Chaves. A respiração está mais compassada, mas o vice-presidente continua mirando os jornalistas da revista VEJA com cara enfezada. E as pupilas se dilatam ameaçadoramente quando o olhar enquadra o repórter A.C. Scartezini.
José Roberto Guzzo, Elio Gaspari e eu recorremos ao manual da imprensa: para entrevistas pesadas, perguntas leves. Por exemplo: o que gosta de fazer nas horas livres?
─ Faço exercícios todo dia ─ começa o cinquentão com estampa de caminhoneiro. ─ Pratico levantamento de peso desde moço ─ completa, conferindo com orgulho o bíceps direito exposto pela camisa de mangas curtas.
De manhãzinha, deita-se numa prancha estendida no chão e flexiona 15 vezes os braços que sustentam 70 quilos de halteres. Em seguida, outras 60 flexões ─ 30 com cada braço ─ segurando 16 quilos. Aquele mineiro corpulento tem 53 anos, penso. Se resolver sair no braço, vai ser uma parada dura.
─ Não vou precisar da imprensa para responder a agressões ─ Aureliano parece adivinhar o que estou pensando. ─ Tenho também outros métodos ─ eleva de novo o tom de voz.
Essa noite não vai acabar bem, reitera a indocilidade do entrevistado. Alguém pergunta como vai o esforço para transformar-se no candidato do PDS à sucessão presidencial. O rosto de Aureliano Chaves enfim exibe algo parecido com um sorriso. Na semana anterior, recebera o apoio formal de um bloco de notáveis do partido, entre os quais Affonso Arinos, Olavo Setúbal, Célio Borja e Ney Braga. Diz que ficou muito contente. Tão contente que resolveu fazer o possível para controlar o temperamento beligerante:
─ Não vou perder tempo com denúncias no varejo ─ promete. ─ E vou engolir sapos.
Nem todos, ressalva:
─ Vou engolir tantos sapos quanto o meu estômago conseguir digerir, mas uma coisa é a disposição para engolir, outra coisa é a capacidade de digeri-los. Quando a digestão estiver interrompida, vou expelir o sapo.
É improvável que ele engula o sapo que Scarta guarda na cabeça, desconfio enquanto a conversa atravessa garoas, chuvas mais fortes, nesgas de céu sem nuvens e zonas de turbulência. Parece calmo ao tratar das chances de algum acordo com o governador Tancredo Neves, candidato da oposição à presidência. Fica irritado quando ouve se é verdade que a relação com o presidente Figueiredo anda crispada. Perto das dez da noite, os visitantes informam que a conversa foi muito boa, há assunto de sobra para a reportagem de capa. Começamos a levantar-nos. É a senha para a entrada de Scarta em campo minado.
─ O senhor me desculpe tratar deste assunto, mas preciso saber o que o senhor pensa dos rumores sobre doença…
─ Como? ─ aparteia Aureliano já de pé, o rosto retomando a cor do perigo.
─ Essas coisas que os adversários estão dizendo ─ entra na zona do agrião o bravo repórter.
─ Que coisas? ─ começa a ouvir-se o som da fúria.
Scarta enfim pronuncia as palavras proibidas:
─ Alguns falam em disritmia neurológica.
Fica claro que Aureliano não vai engolir o sapo:
─ Se surgir uma denúncia dessas, a resposta é uma junta médica! ─ berra enquanto avança na direção de Scarta. ─ E nesse caso os exames têm de abranger todos os candidatos!
Guzzo, Gaspari e eu nos interpomos entre os litigantes, balbuciando palavras de despedida.
─ Feito isso, meto o autor da acusação na cadeia! ─ Aureliano está com cara de quem não vai parar na barreira.
Ouve-se uma estranha mistura de cumprimentos e ameaças ─ “boa noite”, “assim não é possível!”, “obrigado pela entrevista”, “não admito essas coisas!”. Os jornalistas recuam em direção à porta do elevador, que abre para a sala, e apertam o botão.
─ Ou faço coisa pior! ─ explode Aureliano, que acelera a investida.
Chega o elevador. Entramos, apertamos o botão do térreo e a porta se fecha a tempo. O rosto colérico do vice-presidente está colado na janelinha. Um andar abaixo, A. C. Scartezini recupera a fala:
─ Mas esse homem é doido…
Então, sem combinações nem ensaios, Guzzo, Gaspari e eu, os três ao mesmo tempo, colocamos o indicador na vertical e emitimos em veemente surdina o toque de silêncio:
─ Psssssssssssssssssssssssss!!!
E batemos em corajosa retirada.