A classe média inventada pelos alquimistas federais continua a subir pelo elevador de serviço
Publicado em 3 de julho Todo inverno é a mesma história: os alquimistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e os acrobatas da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, aquecem o governo a que se subordinam com mágicas numéricas que ampliam a extraordinária coleção de espantos produzidos pela Era Lula. Nesta semana, por exemplo, o IPEA descobriu que, apesar da crise mundial, a […]
Publicado em 3 de julho
Todo inverno é a mesma história: os alquimistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e os acrobatas da Fundação Getúlio Vargas, a FGV, aquecem o governo a que se subordinam com mágicas numéricas que ampliam a extraordinária coleção de espantos produzidos pela Era Lula. Nesta semana, por exemplo, o IPEA descobriu que, apesar da crise mundial, a classe média brasileira ficou só 1% menor. Uma marolinha.
Rogério precisa saber que continua onde nunca esteve, lembrei. Em 6 de agosto de 2008, contei-lhe a grande notícia do inverno passado: em companhia de outros 4 milhões de brasileiros, acabara de subir de categoria social. “Você agora é da classe média”, comuniquei ao paulistano João Rogério de Sousa Alves, 36 anos, casado há 15, motorista de táxi há 13, que mora com a mulher e duas filhas no bairro de Cachoeira, um amontoado de construções tristonhas na periferia profunda de São Paulo.
A rua é asfaltada e o serviço de água funciona razoavelmente, mas a rede de saneamento básico ainda não chegou lá. Como os vizinhos, os Alves jogam detritos e dejetos no leito de um córrego que os despeja no Rio Tietê. A casa, alugada por R$ 300 mensais, tem dois cômodos de 12 metros quadrados cada um. Um serve de cozinha, sala de visitas, sala de jantar e copa. O outro é o quarto, dividido ao meio por um lençol ali pendurado para proteger a privacidade inexistente: do outro lado da cortina improvisada ficam as camas das filhas e a TV comprada em janeiro de 2006 por R$ 800, fatiados em 12 prestações.
Acorda às 5h, busca o carro na garagem da frota de táxis, estaciona antes das 6h numa esquina na região dos Jardins, trabalha 16 horas por dia e vai dormir perto da meia-noite. Folga aos domingos se juntou o necessário durante a semana. Não tira férias há mais de 10 anos. “Não tenho esses luxos”, resume. “Vivo uma vida de pobre”. Ganha por mês cerca de R$ 1.800, que se somam aos R$ 400 que a mulher consegue como diarista. A renda familiar, portanto, ultrapassa os R$ 1,064 que, por decisão do IPEA, riscam a fronteira onde acaba a classe pobre e começa a classe média.
“Quem ganha mais que mil e sessenta e quatro reais mudou de classe”, insisti. Ele achou estranho ter subido na vida sem mudar de vida. Só é pobre quem ganha entre R$ 207 e R$ 1.063, expliquei. “Como é que posso ser da classe média se não tenho como fazer o que faz a classe média?”, intrigou-se. E como acha que é a vida na categoria a que foi subitamente promovido pelo governo?
A classe média vai ao cinema ou ao teatro uma vez por semana, exemplificou. Rogério não vai ao cinema há 15 anos e nunca foi ao teatro. “Vontade eu tenho, o que não tenho é dinheiro”, resignou-se. Ficou quieto alguns minutos. No fim da corrida, revelou que estava pensando em fazer um teste. “É fácil descobrir se deixei mesmo de ser pobre”, sorriu. “Vou tentar subir pelo elevador social pela primeira vez”.
Ficou sabendo hoje que a classe média continua do mesmo tamanho. Ele permanece, portanto, onde o IPEA decidiu que está há quase um ano. Perguntei-lhe se fez o teste. João Rogério de Sousa Alves contou que a classe média das estatísticas continua subindo pelo elevador de serviço.