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Augusto Nunes

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‘Vanzolini e a biodiversidade da Amazônia’, de Fernando Reinach

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE SÁBADO FERNANDO REINACH “Perdemos Vanzo.” Me veio à mente Paulo Vanzolini em sua enorme sala no Museu de Zoologia. Sobre a bancada, inúmeros vidros contendo lagartos. Em 1975, na faculdade, eu estudava o epitélio da cloaca de uma cobra. Vanzolini queria me conhecer. Fui ao museu e lá estava ele, vestindo […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 06h19 - Publicado em 4 Maio 2013, 19h08

PUBLICADO NO ESTADÃO DESTE SÁBADO

VANZOLINI

FERNANDO REINACH

“Perdemos Vanzo.” Me veio à mente Paulo Vanzolini em sua enorme sala no Museu de Zoologia. Sobre a bancada, inúmeros vidros contendo lagartos. Em 1975, na faculdade, eu estudava o epitélio da cloaca de uma cobra. Vanzolini queria me conhecer. Fui ao museu e lá estava ele, vestindo um avental cinza, sem camisa por baixo, unhas sujas, cercado de répteis. Nunca soube por que me chamou, suspeito que ele tenha julgado minha primeira bolsa de iniciação científica. Queria ver a cara do jovem que se interessava por cloacas de cobra.

Vanzolini deixou uma primorosa coleção de sambas. Algumas rimas revelam seu humor irônico e debochado:

“Mulher que se vira pro outro lado
Tá convocando a suplente
Mulher que não ri não precisa dente”.

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Vanzolini deixou uma das maiores coleções de répteis. Mas sua maior contribuição foi a descoberta de como surgiu parte da biodiversidade amazônica.

Durante sua viagem a bordo do Beagle, Darwin ficou impressionado com a enorme diversidade de plantas e animais. Como teriam surgido tantas espécies? No livro A Origem das Espécies, Darwin descreve o processo de seleção natural, que ao longo de bilhões de anos deu origem a todos os seres vivos que conhecemos.

Quando a população de uma espécie é dividida em dois grupos, separados por um acidente geográfico (imagine uma população de pássaros que passa a habitar duas ilhas), existe a chance de surgir uma nova espécie. Impedidos de se encontrar, esses dois grupos deixam de acasalar (o que chamamos de isolamento reprodutivo). Como os dois grupos passam a viver em ambientes diferentes (ilhas com diferentes espécies de frutas), aos poucos, sob pressão de diferentes ambientes, sobrevivem os pássaros mais adaptados a cada um dos ambientes (em uma ilha, os bicos ficam mais longos; na outra, mais curtos). Com passar do tempo, essas diferenças aumentam até que os dois grupos deixam de ser capazes de acasalar. Pronto, uma espécie deu origem a duas outras. Esse processo, repetido milhões de vezes, gerou toda a biodiversidade do planeta.

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Mas como explicar a origem de espécies em ambientes sem barreiras geográficas? É o caso da Amazônia, uma das regiões com maior biodiversidade. A Amazônia é uma imensa planície, sem montanhas, com uma floresta aparentemente contínua e homogênea. Como teriam surgido as espécies nesse ambiente em que o isolamento reprodutivo parece ser impossível? Foi esse problema que Vanzolini ajudou a resolver.

Vanzolini organizava longas expedições para coletar répteis. Desenhava uma linha reta no mapa da Amazônia e se embrenhava no mato, seguindo trilhas e rios, coletando todos os répteis que podia encontrar. Foi assim que conheceu o Brasil, milhares de quilômetros coletando répteis. De volta ao museu, analisava os animais, classificando cada exemplar, contando escamas, medindo e pesando. Desse modo é possível descobrir como uma espécie varia ao longo de cada uma dessas retas e como a frequência das diferentes espécies varia de região para região. Vanzolini descobriu uma Amazônia mais heterogênea do que imaginava. A distribuição das espécies parecia estar centrada em algumas regiões da Amazônia, como se essas regiões tivessem sido ilhas isoladas no passado.

Com a ajuda de Aziz Ab’Saber, da USP, e Ernest Williams, de Harvard, Vanzolini propôs uma explicação para a origem da biodiversidade amazônica: no passado, a Floresta Amazônica teria encolhido e se expandido diversas vezes. Durante os períodos glaciais, o clima árido fez com que parte da floresta desaparecesse. Nesses períodos, somente algumas ilhas ricas em vegetação teriam se mantido. Nos períodos interglaciais, com o aumento da umidade, as ilhas teriam se juntado, reformando a cobertura florestal. Cada vez que se formavam as ilhas, as populações de plantas e animais se isolavam e novas espécies se formavam. Com o espalhamento da floresta nos períodos úmidos, as espécies se misturavam. Juntando os dados de Aziz Ab’Saber que descreviam essas mudanças climáticas e a localização das ilhas de florestas com a distribuição atual das espécies de lagartos, os três cientistas demonstraram como teria se formado parte da biodiversidade que hoje encontramos na Amazônia.

Esse é o grande legado científico de Vanzolini. Ele desvendou parte do mistério que cerca a origem da biodiversidade amazônica.

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