‘Salto-mortal’, um artigo de J. R. Guzzo
PUBLICADO NA VEJA DESTA SEMANA J.R.Guzzo É muito difícil para qualquer governo, por mais esforço que faça, ter uma equipe de ministros tão horrorosa quanto a que foi escolhida pela presidente Dilma Rousseff. De onde saiu essa gente toda? O acaso, apenas, não é suficiente para explicar uma calamidade desse tamanho. É preciso fazer força, […]
PUBLICADO NA VEJA DESTA SEMANA
É muito difícil para qualquer governo, por mais esforço que faça, ter uma equipe de ministros tão horrorosa quanto a que foi escolhida pela presidente Dilma Rousseff. De onde saiu essa gente toda? O acaso, apenas, não é suficiente para explicar uma calamidade desse tamanho. É preciso fazer força, e muita, para chegar lá – afinal, a dificuldade para armar um ministério nota 10 é a mesma que se tem para armar um ministério nota zero, ou quase isso, como é o caso da turma que está aí. A comprovação de sua ruindade está no desempenho que vem tendo, conforme mostram os fatos. Em nove meses de mandato da presidente, cinco ministros foram para a rua, um sexto, o do Esporte, acabou de virar assombração e ninguém, nem a própria presidente, é capaz de garantir quantos conseguirão completar seu primeiro aniversário no cargo. Se uma equipe dessas não está entre as piores de todos os tempos, o que seria preciso, então, para que estivesse?
Não houve azar nas escolhas; nessas coisas não existe azar. É de supor, também, que a presidente não nomeou gente ruim de propósito, só pelo gosto de conviver com indivíduos de baixo nível em volta de si – ou que sua presença no governo faça parte de um plano secreto, cuja utilidade só seja conhecida pela própria Dilma. Dizer que ela não sabia que estava escolhendo pessoas de alta periculosidade seria um disparate. É possível, até, ter ocorrido algum engano em relação a um ou dois nomes – mas seis? É pouco provável, enfim, que a presidente acreditasse que esse pessoal todo, depois de assumir o cargo, iria se arrepender da vida que levava até então e se transformar em cidadãos exemplares. A verdade é bem mais simples. O ministério de Dilma Rousseff é o resultado que ela colheu ao aceitar nomes impostos pelo seu antecessor, ceder às exigências da banda mais venenosa da política brasileira e deixar que continuasse funcionando, quase intacto, o processo de entrega da máquina pública aos interesses particulares de caciques da “base aliada” e do seu próprio partido. Não podia dar certo. Não deu.
Esse ministério do Esporte, por exemplo: não era preciso dispor de nenhuma informação exclusiva, ou contar com a ajuda dos serviços de espionagem oficiais, para saber que o homem, desde sua passagem pelo governo anterior, era uma bomba-relógio. O que aparecia sobre ele no noticiário comum já era suficiente para Dilma riscar seu nome de qualquer lista de possíveis ministros; imagine-se, então, o que não aparecia. Colocar o personagem sob a observação do mundo inteiro, com o papel que ele iria exercer na organização da Copa de 2014? Bom, aí já era arriscar um salto-mortal triplo. Mas a procissão foi em frente e hoje o ministro se tornou um caso clássico para os melhores manuais de mau governo que se podem encontrar na praça. Chega a ser monótono. Como a maioria dos colegas postos para fora nos últimos meses, ele vive a mesma história de empresas-laranja, ONGs flagradas em desvio de verbas, dinheiro público entregue para a prestação de serviços jamais executados e daí por diante. Há, como em outros episódios, negócios imobiliários difíceis de entender e mais difíceis ainda de explicar. Repete-se com ele a desgraça que é a privatização do estado brasileiro – no caso, o Ministério do Esporte, terceirizado em benefício do PCdoB, o seu partido, e utilizado como propriedade pessoas dos amigos, aliados e vizinhança. São parecidas com as outras histórias de demissões até mesmo as declarações de “confiança” que recebe por parte de companheiros de governo, os incentivos para que responda “à altura”, o tiroteio contra os autores das denúncias etc. De novo, é mais do mesmo.
Na primeira baixa sofrida pelo atual governo, a do ministro Antonio Palocci, os brasileiros tiveram direito a um espetáculo de arrogância capaz de fazer inveja a seu predecessor. Levantou-se todo um coro oficial para classificar as acusações como absurdas. O caso não deveria merecer, segundo nossas mais altas autoridades, sequer um minuto de atenção. “Isso não tem como prosperar”, garantiu a própria Dilma Rousseff. “É político.” Foi dito que era tudo invenção da imprensa; ela teria decidido “derrubar pelo menos um ministro” antes de se completares seis meses de governo, e faria tudo para conseguir isso. Pois é. O tempo passa, o mundo fira e já estamos a caminho da sexta demissão. A imprensa não demitiu, nem nomeou, ninguém. A única assinatura que aparece, nos dois casos, é a da presidente da República.