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Trechos inéditos de livros que estarão em breve nas prateleiras. Editado por Luísa Costa.
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Novo livro de Wierzchowski traz nostalgia do amor pré-WhatsApp

Autora de 'A Casa das Sete Mulheres' escreve retrato delicado de uma paixão de praia adolescente

Por Luísa Costa Atualizado em 30 jul 2020, 21h02 - Publicado em 9 fev 2017, 18h19

Férias, amizades, paqueras… A adolescência costuma ser uma época a se lembrar com muito carinho, em seus percalços, desafios e aprendizados. É esse sentimento que Leticia Wierzchowski, escritora famosa pelo best-seller A Casa das Sete Mulheres (que ganhou uma adaptação televisiva em 2003, na Rede Globo), traz em seu novo livro: O Primeiro e o Último Verão (Globo Livros, 152 págs., R$ 29,90).

O romance conta a história de Clara, uma garota de catorze anos que volta à praia de Pinhal (onde costuma passar as férias com a família) levando consigo uma carta de Deco – e a promessa de um verão inesquecível. O livro tem previsão de chegar às prateleiras no dia 15 de março. Confira, com exclusividade, o terceiro capítulo:

O verão era um tempo sem horários, um tempo de liberdade e de amigos — e acho que nunca mais tive amigos iguais àqueles.

“Para minhas irmãs e eu, a autoestrada para Pinhal também era uma aventura. Íamos sempre eufóricas, cheias de expectativas e planos. O verão era um tempo sem horários, um tempo de liberdade e de amigos — e acho que nunca mais tive amigos iguais àqueles. Nossa turma tinha o Ricardo e a Tati, que eram irmãos e nossos vizinhos, tinha o Leco, nosso primo, a Deia e a Beatriz, também lá da rua (elas eram irmãs), tinha o Maninho, que vinha de Brasília passar o verão em Pinhal com os avós, tinha o Carioca, que vinha do Rio de Janeiro para o mar de chocolate de Pinhal, e tinha a Nessa e o Deco.

Enquanto o pai avançava com seu carro pela estrada em direção ao litoral, ficávamos, no banco de trás, aspirando o ar que entrava pelas janelas abertas, tentando farejar o maravilhoso e sutil ‘cheiro da praia’.

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A viagem não era longa, porém a estrada era ruim. Sacolejávamos no banco traseiro, enquanto, do lado do pai, a mãe ia fazendo seu tricô. O pai e a mãe eram um casal estranho. Estavam sempre juntos, cada um ocupando seu lugar na família, mas se falavam pouco, quase nada. Pareciam entender-se e desentender-se no silêncio. O pai era um cara alegre, a mãe era mais dada à tristeza, mas era uma mãe muito boa, daquelas que preparam seu bolo predileto, tricotam um casaco novo pra você a cada inverno e sempre ajudam com a lição de casa. Quando eles estavam juntos, porém, a alegria do meu pai se transformava em silêncio, e a tristeza da minha mãe se transformava em mágoa.

Naquele verão, em especial, eu estava muito inclinada a não dar bola para meus pais e seus intermináveis dramas silenciosos. Ainda lembro dos meus suspiros na viagem e da risadinha da Vica ao meu lado, porque ela sabia.

Eu tinha recebido uma carta dois dias antes do Natal — naquela época também não havia e-mail, mensagem de texto, essas coisas todas aí. Se não fosse por telefone — o que exigia uma boa cara de pau —, o jeito mesmo era sentar, pegar papel e caneta e escrever o que a gente sentia ou queria dizer para alguém. Daí era ir até o correio, preencher e selar o envelope e colocar na caixa.

Depois…

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Não tinha nada desses avisos eletrônicos do tipo o fulano recebeu a sua mensagem, ou aquele visto duplo que surge no WhatsApp sempre que a coisa foi lida do lado de lá. Era só frio na barriga mesmo. Frio na barriga e a espera silenciosa.

A carta que eu tinha recebido era uma carta de amor.

Bem, depois o jeito era esperar. Esperar uns dias até que o carteiro entregasse a carta, que o destinatário a lesse e tivesse também seu tempo de escrever uma boa resposta. Então tinha todo o processo do correio outra vez — selo, envelope, caixa, carteiro. Mas era legal, ah, se era. Não tinha nada desses avisos eletrônicos do tipo o fulano recebeu a sua mensagem, ou aquele visto duplo que surge no WhatsApp sempre que a coisa foi lida do lado de lá. Era só frio na barriga mesmo. Frio na barriga e a espera silenciosa.

A carta que eu tinha recebido era uma carta de amor. Uma carta de amor enviada pelo Deco, que era irmão da Nessa e morava na rua de trás da nossa em Pinhal. No verão anterior, eu bem que tinha notado uns olhares dele, um jeito, sei lá… A gente fazia dupla nos jogos e às vezes saía de bike só os dois, depois ia à praia e ficava lá, no alto de uma duna, conversando e olhando as primeiras estrelas. A gente falava da vida, dos nossos planos para o futuro, pois aquela era uma época cheia de planos.

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Deco era bonito, eu achava. Ele era um pouco baixo pra mim, então eu encolhia os ombros quando estava do lado dele. Mas ele tinha um sorriso meio de lado, falava inglês com fluência e tocava guitarra, sabia várias canções de cor, surfava bem e era engraçado. Eu voltara da praia no último verão com o Deco encravado no meu pensamento.

E então tinham se passado dez meses. Dez meses quase sem notícias do Deco. Parecia muito normal que os nossos amigos da praia ficassem restritos à praia — era uma lei, como tantas outras. Na cidade, tínhamos uma vida distinta, morávamos em bairros diferentes, nossos pais trabalhavam e viviam assoberbados com seus compromissos, a gente não podia sair de bike sozinho — enfim, motivos para que não nos víssemos havia de sobra.

Aqueles dez meses doeram em mim—achei que o Deco, bonito e divertido como era, já tinha arrumado uma namorada no colégio dele, o Rosário. Eu estudava numa escola menor, de bairro, sem o glamour do Rosário, que tinha até ensino médio e toda aquela turma moderna e liberal. No meu colégio, a gente usava uniforme azul-marinho, meias brancas até o joelho, e cantava para Nossa Senhora todos os dias. Era um mico que só vendo.

Fiquei a noite inteira sem dormir, rolando na cama de um lado para o outro. No andar de baixo, escutei meus pais brigarem por alguma coisa e, por fim, se calarem. Nem me incomodei. A carta do Deco era maior do que tudo, tudo mesmo.

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Mas depois da aridez de um ano escolar cheio de novenas e concursos religiosos, quando já estávamos nos preparando para o verão—ah, o verão! —, chegou a carta do Deco. Sinto saudade de você, ele escrevera. Quer passar este verão comigo? Deco tinha quinze anos, e aquilo era um pedido de namoro. Quando minha irmã Vica leu, foi isto que ela disse:

— Isso é um pedido de namoro, Clara!

Fiquei a noite inteira sem dormir, rolando na cama de um lado para o outro. No andar de baixo, escutei meus pais brigarem por alguma coisa e, por fim, se calarem. Nem me incomodei. A carta do Deco era maior do que tudo, tudo mesmo.

Daí, no dia seguinte, levantei bem cedo e escrevi minha resposta. Um monte de sins. Queria passar o verão inteiro com o Deco. Eu sentia saudade, gostava dele. Ao lamber o envelope para molhar aquela colinha da borda, tremia só de pensar no Deco lendo minha carta e no verão maravilhoso que eu teria pela frente junto com ele.

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Naquele dia, depois do almoço, inventei uma desculpa de que precisava de papel ofício pautado e corri para o correio, para despachar a minha resposta.

No caminho da praia, eu ainda não tinha certeza de que a carta chegara a tempo. Natal era uma época confusa para o correio, a gente via os carteiros andando pela rua, debaixo daquele sol, enfiando pilhas de cartões natalinos em todas as caixas de correspondência — naquele tempo, é claro, ninguém desejava feliz Natal por WhatsApp, era só cartão mesmo, e a gente ia à loja comprar pilhas deles. Tinha até cartões musicais, mas esses custavam caro. Minha carta para o Deco poderia muito bem ter se perdido no meio daqueles Hohohohos todos.

Mas eu estava decidida. Assim que chegássemos à praia, na primeira oportunidade, eu pegaria minha bike e correria para a casa do Deco, com uma desculpa qualquer — convidar a Nessa pra ir à padaria comigo, ou chamá-los para um futebol inaugural do verão —, sei lá. Eu queria mesmo era olhar no olho do Deco e dizer de novo, igualzinho ao que eu tinha escrito naquela folha pautada que depois dobrei em três, guardei no envelope selado e despachei no correio do bairro, sim, sim, sim.”

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