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Trump dá palpite até na amamentação

Em um disputa nos bastidores, os Estados Unidos tentaram mudar uma resolução da OMS em defesa do leite materno. Não conseguiram

Por Monica Weinberg
Atualizado em 11 jul 2018, 21h28 - Publicado em 11 jul 2018, 19h18

Tudo parecia diplomaticamente em ordem nas costuras em torno da resolução da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre amamentação, durante o Congresso Mundial da Saúde de Genebra, em maio. O que estava em jogo era a adesão dos países à enfática recomendação da OMS de manter o leite materno como alimento exclusivo do bebê até os seis meses de vida, à qual todos se dobravam, unânimes. Mas aí surgiu o fator Donald Trump. Os emissários do presidente americano deixaram clara a atual posição dos Estados Unidos, que envereda pela contramão global: o governo se opõe à política de restrição à propaganda do leite em pó e queria amenizar o texto da OMS que fala em “proteção, promoção e apoio” ao aleitamento. Logo o que parecia jogo ganho virou um intrincado tabuleiro que colocou a diplomacia de pernas para o ar.

O Equador, que apresentaria a resolução, deixou a posição ao se sentir acuado diante da pressão americana; os Estados Unidos ameaçavam retirar apoio militar e impor entraves comerciais aos equatorianos, segundo o relato de diplomatas e oficiais de diferentes governos ao The New York Times. Pelo menos doze países, da África e da América do Sul, também preferiram não tomar o protagonismo no imbróglio. No fim, a Rússia acabou apresentando a resolução – e ela foi aprovada. Trump diz que a convulsão nos bastidores do Congresso é história e que o poder de escolha deve ser garantido às mulheres.

Muito se falou e escreveu sobre o que o presidente americano mirava ao chocar Genebra: 1) Está advogando em prol da indústria das fórmulas infantis, um mercado de 70 bilhões de dólares anuais; 2) Quer deixar tudo como está na área da licença maternidade, assunto naturalmente ligado à amamentação – quanto maior ela for, mais chances de o aleitamento materno se prolongar.

O enredo suíço incendiou o meio acadêmico, que tem sólidas evidências sobre os benefícios da amamentação. Doutora em saúde pública da Universidade de São Paulo e integrante do comitê do Núcleo Ciência pela Infância, Anna Maria Chiesa, 59 anos, examina a polêmica com o olhar de quem acompanha o debate e há décadas investiga o tema. A seguir, sua entrevista a VEJA.

A posição de Trump surpreendeu? Na verdade, não. Trump faz política dando as costas à ciência. O que a OMS defende está baseado em muitos estudos consistentes. No caso da separação de mães e filhos imigrantes, foi assim: ele desconsiderou os danos já conhecidos desta ruptura. Com a amamentação, foca na economia sem entender que aleitamento materno também tem tudo a ver com ela.

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Como economia e amamentação se conectam? Está mais do que comprovado que medidas acertadas na primeira infância produzem adultos com mais chances de obter sucesso na vida – bom do ponto de vista individual e do país. Uma pesquisa da Universidade de Pelotas se juntou a outras internacionais para concluir que crianças bem amamentadas pela mãe tendem a ter escolaridade mais alta e renda maior no futuro.

Por que isso ocorre? O leite materno é um combustível importante para o desenvolvimento do cérebro justamente em uma fase da vida em que as sinapses se formam em ritmo incomparável ao de qualquer outra etapa, contribuindo para consolidar uma boa base. Também transmite ao bebê os anticorpos da mãe, que o ajudarão a crescer mais saudável. E, quanto mais saúde, maiores as perspectivas em todos os campos. A começar pelo começo: o leite materno reduz a mortalidade infantil.

O avanço do leite industrializado não traz os mesmos benefícios? Esta é uma indústria que progrediu muito, de fato, mas o leite materno tem uma característica que o industrializado nunca terá: ele vai se adaptando, na qualidade e na quantidade de nutrientes, à exata demanda do bebê. Outro aspecto é que, na amamentação, se forma um vínculo essencial.

Isso não é possível com a mamadeira? É, mas existe o jeito certo de fazer, que parte da compreensão da mãe de que aquele é um momento só dela e do bebê.

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A senhora é contra o leite em pó? De jeito nenhum. Até porque há mães que não conseguem amamentar mesmo. E isso não quer dizer, claro, que a criança estará fadada ao insucesso na vida. Existe uma visão segundo a qual a boa mãe é a que faz parto normal e amamenta o filho – um rótulo que demoniza a mulher que age diferente. A questão aqui é outra: quem conduz as políticas públicas tem o dever de sinalizar o caminho mais benéfico e eficaz.

A licença maternidade deveria ser ampliada? Para garantir os seis meses exclusivos de leite materno, sim. Em países onde a licença é maior, como Dinamarca, Suécia, Alemanha, a recomendação da OMS é posta em prática com maior frequência.

Amamentar é um ato instintivo, como tanto se apregoa? Não. Esse é um dos grandes mitos da maternidade. Quem diz que amamentar é natural está divulgando propaganda enganosa. Trata-se, isso sim, de um aprendizado, às vezes duro, doloroso. Mas a ciência mostra que vale a pena persistir.

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