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‘Quando uma mulher disser que não quer ser mãe, acredite’

Há mulheres que lamentam o dia em que decidiram ter filhos, constata a socióloga Orna Donath, da Universidade de Tel-Aviv. E não há nada de errado com elas

Por Marina Rappa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jul 2016, 13h51 - Publicado em 3 jul 2016, 13h38

‘Se você pudesse voltar no tempo, escolheria se tornar mãe?’ Para muitas mulheres com filhos, a resposta à pergunta parece óbvia – e a questão pode soar absurda. Mas há quem genuinamente se arrependa da maternidade, constata Orna Donath, socióloga e antropóloga da Universidade de Tel-Aviv que estuda as relações entre maternidade e sociedade há quase uma década.

A israelense publicou no último ano um estudo sobre os relatos de 23 mulheres que lamentam o dia em que decidiram ter filhos. “A noção mais difundida é a de que, se garantirmos que a mulher tenha todas as condições para ser mãe, então tudo estará bem. Mas não. Algumas mães que participaram do meu estudo tinham tudo – dinheiro, tempo, ajuda – e, ainda assim, se arrependeram”, conta Orna.

A socióloga critica as pressões e até ameaças que as mulheres sofrem para que se tornem mães. “A sociedade deveria ouvir com mais atenção as mulheres que falam que não querem ser mães. E acreditar, porque elas conhecem melhor do que ninguém seus sonhos e necessidades”, diz. Leia abaixo a entrevista concedida a VEJA pela socióloga – que não tem filhos e não se arrepende.

O que levou a sra. a se interessar pelo tema? Em 2007 eu apresentei minha dissertação de mestrado sobre judeus israelenses, homens e mulheres, que não queriam ter filhos. Uma frase que surgiu nos relatos dessas pessoas ficou martelando na minha cabeça: ‘você vai se arrepender de não ter filhos!’. Como socióloga, eu queria entender mais a relação entre arrependimento, maternidade e sociedade. Já havia estudos acadêmicos sobre mulheres que se arrependiam de não ter tido filhos, mas descobri que não havia pesquisas sobre quem se arrependia de tê-los. Então decidi abordar o assunto em meu doutorado.

Como  o arrependimento materno pode ser definido? Conforme percebi durante o estudo, arrependimento não se confunde com o sentimento ambivalente que muitas mães experimentam. Há mulheres que relatam dificuldades, “mas”, ressalvam, “o sorriso do filho faz tudo valer a pena”. Já para as mulheres que participaram da minha pesquisa não há nenhum “mas”. Elas não pensam que a maternidade foi algo que valeu a pena. Nesse estudo, usei dois critérios para a definição de arrependimento. O primeiro: eu perguntava se elas, podendo voltar no tempo e com o conhecimento que têm hoje, escolheriam se tornar mães, e a resposta era “não”. O segundo critério: pesando vantagens e desvantagens da maternidade, as mães arrependidas diziam que os aspectos negativos superavam os positivos. Ou seja, mesmo reconhecendo bons momentos, elas sentiam que tinham cometido um erro.

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Como distinguir esse sentimento de um quadro clínico como a depressão pós-parto? O ressentimento e a depressão pós-parto, definitivamente, não são a mesma coisa, nem estão necessariamente relacionados. Muitas mulheres passam pela experiência da depressão pós-parto durante dias, meses e até anos, mas isso não é necessariamente a explicação certa para as dificuldades da maternidade.

Qual é a principal causa do arrependimento materno? Eu não acho que exista uma única causa para o remorso das mães. Tem aquelas mulheres que só descobrem depois do parto que não foram feitas para serem mães, embora tenham lhe prometido que a maternidade convém, sim, a toda ‘fêmea saudável’. E tem mulheres cujas circunstâncias de vida mudam após o parto, por causa de divórcio, doenças, acidentes ou dificuldades econômicas, e então são muitas frentes de batalha que elas devem enfrentar. De qualquer forma, é importante mencionar que a maioria das mulheres que participaram no meu estudo não apontou como motivo do arrependimento eventuais prejuízos da maternidade para a carreira profissional, ao contrário do que muitas pessoas poderiam imaginar. A sociedade tende a opor ‘maternidade’ e ‘carreira’, supondo que ou você é ‘a mulher perfeita’ que quer ser mãe ou a mulher que ‘quer ser como um homem’ por abrir mão de filhos. Com isso, perde-se de vista o fato de que existe uma variedade de identidades, desejos e necessidades nas mulheres.

A sra. acha que o arrependimento materno é um fenômeno novo? Meu palpite é de que, ao longo da história, sempre houve mães arrependidas, mas levou tempo até que as mulheres fossem ouvidas ou tivessem seus sentimentos documentados. A história das emoções é um campo especificamente complicado, especialmente quando envolve mulheres, porque durante muitos séculos, em diversas culturas, eram os homens que escreviam sobre elas.

Se o sentimento não é novo, por que só agora tem sido discutido? Durante as últimas décadas, muitas pesquisadoras, poetas, escritoras e cineastas começaram a falar sobre o lado sombrio da maternidade, reverso da face gloriosa e mais conhecida da experiência de ser mãe. Essas mulheres falam de ódio, vergonha, desapontamento, mas não mencionam o arrependimento. Eu acredito que existem diversas razões para ignorarmos o remorso. Uma delas é a noção de que as mulheres querem mesmo se tornar mães e de que devemos simplesmente nos esforçar para facilitar as coisas para elas, em vez de questionar a própria vontade de ter filhos. A noção mais difundida é a de que, se garantirmos que a mulher tenha todas as condições para ser mãe, então tudo estará bem. Mas não. Algumas mães que participaram do meu estudo tinham tudo – dinheiro, tempo, ajuda – e, ainda assim, se arrependeram. Outra razão pela qual ninguém falava sobre isso é que muitas sociedades condenam o arrependimento de uma forma geral. É um sentimento que se espera de alguém que tenha cometido um crime ou a um pecado, mas, fora isso, o arrependimento costuma ser considerado um sinal de fraqueza e derrota, um estado que as pessoas deveriam superar o mais rápido possível.

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Como a maternidade deveria ser vista? Eu acredito que, antes de tudo, nós devemos aceitar que o arrependimento é uma experiência humana que pode se seguir a qualquer decisão que tomemos. Seres humanos cometem erros. Se aceitarmos isso, então talvez consigamos olhar para as mães arrependidas como seres humanos, não como monstros. Além disso, acho que a sociedade deveria ouvir com mais atenção as mulheres que falam que não querem ser mães. E acreditar, uma vez que elas conhecem melhor do que ninguém seus sonhos, anseios, desejos e necessidades e o próprio corpo. As pressões e ameaças devem acabar. É responsabilidade da sociedade garantir que as mulheres não sejam empurradas para a maternidade e depois abandonadas por pessoas que lhe dirão: ‘É sua culpa, você que escolheu, lide com isso sozinha’.

Qual é o papel do parceiro nesses casos? Eu acredito que compartilhar os cuidados parentais com um parceiro pode ajudar, mas não vai necessariamente prevenir o arrependimento. Existem mulheres que participaram no estudo que têm a seu lado um companheiro que cuida dos filhos – e ainda assim elas se ressentem da maternidade.

A sra. tem filhos? Não, eu não sou mãe e sabia desde os 16 anos que nunca me tornaria uma. Eu sei que muitas pessoas pensam que conduzi esse estudo porque queria provar algo, já que não quis ser mãe. Mas estão errados. Eu nunca considerei que minha falta de vontade de ser mãe fosse um problema que eu precisava resolver.

Que mensagem o estudo passa a mães arrependidas? Eu acredito que o estudo não toca apenas mães arrependidas. Ele se dirige também às mulheres que não chegam a lamentar a maternidade, mas têm lá seus momentos difíceis e até às mulheres que simplesmente não querem ser mães. Talvez, ao falar honestamente sobre a possibilidade de arrependimento, mais e mais mulheres poderão decidir por si se querem mesmo se tornar mães ou não. Assim, mais e mais mães vão poder dizer o que estão pensando e sentindo sem que sejam condenadas. Eu acho que, de certa maneira, não é exatamente o arrependimento que causa o sofrimento, mas as reações da sociedade a esse sentimento. Meu estudo não busca glorificar o arrependimento, mas reconhecer sua existência. Arrepender-se é humano. Mães são humanas.

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